Richard Jewell – O filme do Clint Eastwood

Inácio Araújo, crítico de cinema e estimado amigo, publicou dois posts sobre o filme do Clint Eastwood.

Mandei a ele um comentário, que reproduzo abaixo:

O agente do FBI do filme, inspirando a atitude do Dalagnol.

Prezado Inácio,

Fomos assistir hoje o “Richard Jewell”. Tanto por sermos admiradores do Clint Eastwood, como ator e diretor, como por seus elogios ao filme.

De fato, um belíssimo espetáculo cinematográfico. Eastwood pega um espetáculo em que um zé ninguém se vê catapultado subitamente à posição de herói, e três dias depois ser enxovalhado e passar por um calvário de quase três meses. E que personagem é o tal Jewell. É o patriotismo mais rastaquera, e uma postura que chega a ser bordeline paranoica e fascistoide. É a “lei e a ordem” praticamente encarnada.

O filme mostra como um sujeito desses subitamente se vê enredado em uma situação quase insustentável precisamente porque é um defensor da lei e da ordem.

Mais que um “direitista”, Clint Eastwood é a encarnação de um extremado individualismo. O indivíduo enfrenta e resolve os problemas com que se defronta, apelando inclusive para o vigilantismo. O filme vai até uma posição extrema: não confie em hipótese nenhuma nos agentes do Estado. Quando o pobre Jewell assume uma posição de querer estar dentro do aparato estatal, se ferra.

E Clint Eastwood deixa claro: corporações, mídia, polícia (especialmente a federal….) são simplesmente expressões do big state, opressoras do indivíduo. A questão não é Jewell ser um loser, e sim como o Estado o esmaga. Só quando, espicaçado pelo advogado, ele reage como indivíduo é que consegue sua redenção. É um lapso fugaz de revolta, já que finalmente ele consegue voltar a ser policial, e pode-se imaginar, pelas cenas do começo do filme, o quão atrabiliário e violento ele pode ser, na “defesa da lei e da ordem.”We don’t want mikeymousing around”, é a mensagem do reitor que ele tenta aplicar literalmente, lá na universidade e que também é o que move suas ações durante os espetáculos de abertura da Olimpíada. E ele filosofa sobre o eventual resultado de sua punição, lembrando que outros seguranças, no futuro, vão sair de perto quando perceberem uma ameaça.

O naturalismo cinematográfico de Eastwood o obriga a mostrar as contradições da postura individualista: faça o que quiser, mas dentro da lei e da ordem, mas aguente as consequências, porque isso não é garantia de nada diante do poder impessoal e atrabiliário do Estado. O advogado se esforça para lembrar que os agentes “não são o Governo”, apenas uns “miseráveis empregados”, mas Jewell volta e meia relapsa e se coloca na posição abstrusa de querer ser o que o está oprimindo.

Fantástica também é a cena final, quando o personagem do agente do FBI entrega a carta exonerando Jewell das acusações, mas cuspindo “Acredito firmemente que seu cliente é o culpado”.

Descobrimos, finalmente, pelo menos uma inspiração do Dalagnol (e do Moro, é claro): “Não tenho provas, mas tenho convicções”.

E é por aí que o filme faz uma intersecção e fecha com o trumpismo. Acho.

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