Essa história dos “Black Blocks” aparece continuadamente nas manifestações desde 2013. Sempre polêmicos, mascarados e provocando destruição. Na última, em Brasília, parece que os organizadores pediram aos próprios policiais que os prendessem e não reprimissem a manifestação, que era pacífica. Claro que a polícia não fez nada. Ou, melhor dizendo, aproveitou o pretexto dos mascarados para meter o pau na multidão.
Não falta quem apoie os tais mascarados. São talvez os que precisam de um pouco mais de história e política.
Os “Black Blocs”, nas poucas vezes que se manifestaram diretamente ou por apoiadores, declaram-se anarquistas.
Por ocasião do seu aparecimento, em 2013, comentei com um amigo que a polícia logo iria localizá-los e fazer uma varrida. “Que nada” – respondeu meu amigo. “Eles são da polícia”.
É claro que nem todos são. Alguns realmente acreditam no anarquismo, em especial pela prática da “ação direta”.
Há mais de cento e cinquenta anos que essa “ação direta” provoca graves danos ao movimento popular. Por uma razão muito simples. Essas ações não “despertam” as massas nem “fazem avançar a luta”. Simplesmente dão pretexto para que a repressão se acirre. Para os anarquistas, a tragédia é ainda pior: esses grupos acabam massacrados.
No entanto, a polícia também percebeu que infiltrando-os com seus próprios agentes e usando todos para as ações de desorganização, abrem também mais espaço para as ações policiais mais violentas.
É o caso dos atentados terroristas executados na Rússia czarista, na Alemanha e em outros países da Europa, o que provocou um incremento da repressão e todos os grupos anarquistas foram dizimados.
A história da “Bande à Bonot”, na França, também é exemplar. Bonot, mecânico, reuniu companheiros em uma “comunidade livre” e, com o objetivo duplo de assustar a burguesia, em particular os banqueiros e os fabricantes de auto, e assim “motivar” a classe operária, empreenderam uma série de assaltos. Até serem cercados e dizimados pela polícia. Como esse, são inúmeros os exemplos.
No decorrer desse tempo todo, acredito que em apenas um momento as ações dos anarquistas tiveram importância real, e foi na Guerra Civil Espanhola. Sem nenhuma dúvida, as milícias anarco-sindicalistas aturam de forma corajosa e brava contra o exército franco. No entanto, essa coragem, unida ao voluntarismo e à desorganização estratégica, levou as milícias a ações desesperadas e trágicas, criando condições também para que os franquistas ganhassem apoio de parte da população que antes defendia a República. O assassinato de padres e a destruição de igrejas, algo sem nenhum objetivo militar ou dirigido para a tomada do poder, eram justificados pelo fato da hierarquia da igreja católica ter dado apoio a Franco. O ódio ideológico se sobrepôs às considerações militares e políticas exigidas, e viu-se o que foi vivido.
Desse modo, as organizações populares e revolucionárias foram aprendendo a desmobilizar e isolar os anarquistas. Politicamente, com o trabalho nas fábricas e nos bairros populares. Por outro, nas manifestações que deveriam ter um caráter pacífico – ou de envolvimento do conjunto dos manifestantes na ação – isolando-os antes que executassem ações provocadoras ou precipitadas.
Tragicamente, o fascínio anarquista continua atraindo principalmente jovens, entusiasmados com a ideia da “ação direta” e com a possibilidade de “apressar a revolução”. É claro, o estado capitalista é caracterizado como agressor primário e as ações como simples respostas à essas agressões. E continua acontecendo.
Os defensores dos “black blocs” geralmente alegam exatamente isso: o estado é o agressor primário e a violência é uma resposta.
Criam uma brutal confusão entre a violência nas manifestações e aquilo que o filósofo chinês disse: “A Revolução se faz na ponta de um cano de fuzil”.
Infelizmente (explicável por tantas e tantas razões), não vivemos em nosso país uma situação revolucionária. Muito pelo contrário: estamos em plena defensiva, buscando resguardar direitos sociais e outras conquistas democráticas duramente conquistadas. Que as comunidades indígenas se preparem para expulsar à bala grileiros, que haja resistência às desocupações e outras situações do mesmo tipo, é não apenas justificável como necessária.
Mas que não haja preparação e organização para enfrentar provocações em uma manifestação convocada para ser pacífica, para aumentar a pressão contra o governo golpista e defender os direitos dos trabalhadores, revela uma das duas coisas por parte dos organizadores: ingenuidade ou incompetência.
Não há pedra mais cantada que essa: esses grupos sistematicamente entram nas manifestações, mascarados, para provocar mais a repressão. Uma ação de provocação, em suma.
Que uma parte dos componentes desses grupos é de jovens fascinados com a ação direta é verdade. Mas que hoje estão pesadamente infiltrados pelos serviços de segurança é evidente. O vídeo que foi feito nas manifestações no Rio, no dia 24, deixa isso ainda mais claro.
É absolutamente imprescindível que, nas manifestações, os organizadores estejam preparados para essas coisas. Já em 1968, nas passeatas estudantis, havia a preocupação de ter um grupo de segurança pronto para identificar provocadores e ajudar na retirada das lideranças estudantis quando ameaçadas pela polícia.
É preciso levar isso em conta. Estar preparados para isolar o grupo, identificá-los e, detectando os policiais infiltrados, entregar para a polícia, acompanhados pela imprensa e pelos advogados. Nem precisa esculachar, só isolar e impedir que façam as provocações.
Deixar de fazer isso é ingenuidade ou incompetência. E as consequências são péssimas.