O ÚLTIMO HOMEM NA TORRE

Recém terminei a leitura do romance “O Último Homem na Torre” (li em inglês, mas há edição brasileira da Nova Fronteira), de Aravind Adiga. É o autor de “Tigre Branco”, que ganhou o Booker Prize em 2008.

O romance mostra a reação dos moradores da Torre A, da Sociedade Habitacional Vishram, em Mumbai. O edifício é velho, a manutenção ruim, o fornecimento de água intermitente, o elevador nem sempre funciona e está na rota de pouso do aeroporto de Mumbai. Mas seus habitantes se orgulham de ser uma comunidade bem integrada, com moradores vindos de várias regiões da Índia e praticantes de várias das muitas religiões do país. Em volta, favelas e também algumas novas construções de espigões, em uma cidade que cresce vertiginosamente.
Um belo dia os moradores são surpreendidos pela proposta de um magnata da incorporação imobiliária, Dharmen Sha, que oferece um preço muito acima do valor de mercado para a compra de todo o edifício. Sha acredita que essa oferta generosa abrirá facilmente o caminho para derrubar o velho prédio e construir um complexo de apartamentos de luxo, seu projeto “Shanghai”. E isso efetivamente é o que acontece com o prédio vizinho, a Torre B, que rapidamente aceita a proposta.

O edifício é uma espécie de sociedade cooperativa. Cada um de seus moradores é “proprietário” do apartamento, mas as decisões sobre o edifício são coletivas e, principalmente, a venda dos apartamentos deve ser uma decisão unânime dos moradores.

Na Torre A, entretanto, quatro moradores resistem à ideia, por diferentes razões. Um casal cuja mulher é cega e já se acostumou com a geografia do prédio e teme mudar-se para um lugar desconhecido; uma senhora, conhecida como “Encouraçado”, espécie de assistente social e acusada de comunista pelos vizinhos, que teme a especulação capitalista e acha que a promessa é falsa, e Sha não irá pagar todo o prometido. Mas a resistência acaba se concentrando em Masterji, professor aposentado de física, estimado e respeitado por todos, viúvo. Masterji dá aulas gratuitas de reforço para os jovens do prédio, é muito amigo do casal e, inicialmente, se opõe à venda em solidariedade a eles.

Uma trama que lembra, de imediato, a do filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. Que os críticos aclamam como um dos melhores filmes de 2016.

A resistência de Masterji seria igual à da personagem da Sonia Braga nesse filme.

Só que…

Aravind Adiga é um romancista fantástico. A radiografia da Índia em seus livros é dilacerante, e a arquitetura, pelo menos dos dois que li (este e “O Tigre Branco”), é magistral.

O autor vai tecendo a história de “O Último Homem na Torre” a partir das características e da vida dos moradores, e também a do especulador e de sua “mão esquerda” (o encarregado do trabalho sujo), revelando um complexo de relações sociais, pessoais e econômicas que justificam, ou explicam, as decisões de cada um desses moradores. E de como Dharmen Sha consegue vencer, um a um, a resistência dos que não querem vender.
Menos de Masterji.

A recusa do velho professor – que no caminho vai descobrindo algumas verdades sobre si mesmo e sobre a percepção que dele tinham seus vizinhos e os ex-alunos – é aparentemente a mais frágil. Ele simplesmente não quer nada. Só quer continuar no edifício e sonha em continuar a “vida comunitária” que, aparentemente, levava os moradores, juntos, a navegar pelas turbulências da vida indiana.

As aparências enganam e o romancista constrói as razões pessoais e psicológicas que levam os moradores a aceitar, recusar e mudar de ideia acerca da proposta de venda.

A dinâmica mais interessante é a que confronta Masterji com seus vizinhos. É uma relação que parte de uma visão semi-idílica da vida no edifício para a construção dos conflitos que, latentes, se expressam na posição de cada um em relação à venda. Não se trata tão somente de uma contraposição entre os gananciosos que cedem à tentação da oferta do especulador e os que simplesmente se aferram sentimentalmente ao edifício onde viveram décadas. Essa relação entre os vizinhos – que está completamente ausente do filme de Kleber Mendonça – é que constrói a trama.

Evidentemente, os meios são distintos. Aravind Adiga escreve um romance, forma na qual o espaço e o tempo para a construção psicológica dos personagens é constituinte da história, e Aquarius é um filme, no qual a ação tem que resolver a trama.

No entanto, o que me chamou atenção no filme foi precisamente essa ausência da relação entre todos os moradores. A ação se concentra na recusa da personagem da Sonia Braga, e não aparecem praticamente em momento algum os possíveis conflitos dela com seus ex-vizinhos, nesse processo de compra dos demais apartamentos, salvo em um breve diálogo no qual o filho de um dos ex-moradores diz que ela está sendo egoísta e impedindo que todos recebam a parcela final da venda. É muita simplificação para o meu gosto.

Aquarius acabou tendo uma repercussão muito maior, mais em função do momento e da atitude de atores e diretores em um contexto extrafilme do que por suas qualidades intrínsecas, que se expressam em um discurso cuja forma, na minha opinião, não está bem resolvida. A crítica e a simpatia pela ação política do elenco e equipe técnica é que explicitaram o filme como um manifesto contra a especulação imobiliária, e extrapolaram essa interpretação para a situação política que resultou no golpe. Mas o filme, enquanto tal, não consegue expressar satisfatoriamente isso. Jogar o cupim na mesa do especulador não resolve o conflito. É mais a expressão de uma vingança – merecida, aliás – que um desfecho.

“O Último Home na Torre”, ao contrário, é construído por esse conjunto de relações entre os moradores, e são elas que conduzem a trama e definem o desfecho trágico do romance.

Quem viu o filme certamente merece ler o livro do indiano. E Kleber Mendonça, se o houvesse lido (foi lançado em 2011), poderia ter melhorado muito seu roteiro.

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