O PIG MANIPULA NÚMEROS. E DISTORCE NA INTERPRETAÇÃO  DOS DADOS  

Na capa da edição impressa de hoje do ex-Estadão – hoje carinhosamente apelidado de Estadúnculo (e que meus inúmeros pecados sejam pagos pelo vício de continuar assinante, mas entre o dito cujo e a Falha é mesmo difícil), a manchete apregoa UM dos dados do Censo do MEC sobre o ensino universitário, a queda de 5,6% no número dos que concluem o ensino superior. E a matéria de capa prossegue dizendo que “os números também mostram que o ritmo de expansão do ensino superior diminui”.  E tascam os inevitáveis “especialistas”: “pode indicar dificuldades econômicas dos alunos para concluir o curso”. E emenda citando “outro estudo” que mostra que o Brasil gasta pouco em educação.

Capturar

É foda, como diria a madre superiora.

Para início de conversa, uma misturada básica de dados nessa última informação. O Censo do MEC está tratando especificamente de educação superior, no qual o gasto do Brasil é de  US 10.902 por aluno, contra uma média da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – que é o estudo citado – aponta para US 13.958. Está abaixo da média? Sim. Os dados do dispêndio em educação em geral são ainda mais alarmantes, em termos de gastos brutos (totais). Mas… diz a OCDE que a média mundial de todo gasto público investido em educação foi de 13%, no Brasil foi de 19%, correspondente a 6,1% do nosso PIB. Evidentemente, nem menção ao objetivo do Plano Nacional de Educação de chegar a 10% do PIB investido em educação, coisa que não acontece da noite para o dia. Além disso, a manchete da OCDE informa que a mobilidade educacional começa a diminuir nos países industrializados. De qualquer maneira, eis aqui o link para a apresentação do estudo da OCDE – também convenientemente omitido na matéria do Estadúnculo.

Mas, voltemos ao ensino superior, que é o objeto do Censo divulgado. E o Estadúnculo tampouco oferece o link para a apresentação do MEC, que vai aqui para a página onde se pode localizar o pdf do conjunto, pois comentarei apenas alguns aspectos.

O Estadúnculo publica três gráficos na matéria sobre o Censo: Evolução do número de cursos de ensino superior (de 15 mil em 2003 para 32.048 em 2013); Número de matrículas (que o brilhante e manipulativo redator confunde, nos gráficos, com número de alunos), de 4 milhões em 2003 para 7.305.977 em 2013; e uma tela dividindo o número de matrículas em 2013 com o número de concluintes.

Só que essa conta é uma manipulação. O número de egressantes deve ser comparado com o número de ingressantes não daquele ano, e sim com o número no mínimo de três ou quatro anos antes. E mais, essa relação varia segundo o tipo de cursos. Vejamos o quadro do relatório do MEC:

Primeiro, o número de ingressantes (não o total de alunos):

egressantes

É bom observar, nesse quadro, o progressivo aumento da porcentagem de cursos à distância. Ora, esses cursos são geralmente de curta duração. Pessoalmente não acredito muito na eficiência de cursos de graduação à distância. Acredito que sejam úteis para capacitação em atividades específicas, mas tenho sérias dúvidas a respeito de sua eficácia. De qualquer maneira, é uma experiência que vem crescendo e precisa ainda ser avaliada.

Outro ponto a ser salientado é que o número de ingressantes não está dividido por tipo de curso. Então, cursos de maior duração, como medicina, estão computados tanto dentro dos ingressos nos cursos à distância como não se distinguem de várias outras graduações com prazos bem menores, de dois ou três anos. Também não se leva em conta que, hoje, praticamente a totalidade dos cursos não é seriado, e os alunos estudam por matéria e dessa maneira podem prolongar seu período de graduação por muito mais tempo.

Dito isso – simplesmente para constatar que o simples número de egressos deve ser examinado com muito mais cuidado, e não de forma agregada, como é feita aqui, vejamos a tabela geral de concluintes:

concluintes

Esse quadro aborda os números de modo diferente. Trata da variação por categoria administrativa (escolas públicas ou privadas). Aqui o MEC/INEP comeu barriga. Deveria ter apresentado quadros preparados com o mesmo critério nas duas situações. O dado certamente está dentro do Censo, mas a apresentação dificulta a comparação. Serve para o MEC afirmar que “Entre 2012 e 2013 observou-se uma redução de 5,7% no número de concluintes, movimento que teve forte influencia nos cursos presenciais do setor privado. Nesse compasso, a rede federal aumentou o número de concluintes em 3,8%, apesar da redução de quase 50% no número de concluintes em cursos a distância no período 2012-13”.

Mas não serve para comparar com o quadro anterior e abre a brecha para a manipulação dos Estadúnculos da vida.

Na entrevista coletiva que apresentou os dados, o MEC informou que “97% da queda no número de concluintes se concentrou em 14 instituições, dez delas privadas”, e que esse grupo “sofreu recentemente sanções da pasta, com o fechamento de cursos ou redução das vagas no vestibular”.

Faltou, portanto, uma demonstração melhor dos índices de abandono anual por tipo de curso, e o que cada ano representa na duração de cada curso. Isso sem contar a subdivisão por matrículas por matéria, já que os cursos não são mais anualizados.

Provavelmente os dados podem ser extraídos através da análise direta dos dados, mas essa divulgação mal feita resulta em problemas. Um estatístico poderia chamar a atenção para isso, inclusive criticar a forma de divulgação do MEC/INEP, mas sempre é mais fácil pular para conclusões negativas.

Temos então a conjunção de dois fatores: a incompetência do MEC/INEP de mostrar meios mais precisos de comparação, o que abre espaço para a redação sacana das notícias pelo PIG.

A matéria não dá também a menor pelota para alguns importantes indicadores da busca de qualificação, quantidade e qualidade da educação superior.

A primeira, e mais impressionante, é a explosão da oferta nos últimos doze anos. Vejam:

evolução da matrícula

Saímos de um patamar de pouco mais de três milhões de matrículas em 2001 para 7.305.977 em 2013. Uma demanda extremamente reprimida que começou a ser atendida. Essa demanda, evidentemente, ainda não foi satisfeita. A nossa população é jovem, e a proporção da faixa de menos de 30 anos de idade não deixará de crescer tão cedo.

Se, em determinados anos, a efetivação da demanda diminuir, há que se perguntar se isso aconteceu por diminuição da oferta, ou seja, de vagas, ou por quaisquer outros fatores. O Censo não se propõe a responder isso. Mas a oferta não diminuiu. Ao contrário, continua crescente. Ainda que ocorram descredenciamentos e diminuição das vagas em vestibulares  para um determinado número de instituições, a implantação das novas universidades federais – acompanhada também de mais universidades estaduais e municipais – continua crescente. O descredenciamento, aliás, reflete outra preocupação da política educacional das administrações Lula-Dilma: qualidade.

A qualidade da nossa educação em geral ainda deixa a desejar. Isso é sabido, diagnosticado e enfrentado cotidianamente. Os dados recolhidos pelos diferentes instrumentos de avaliação do INEP ajudam no diagnóstico e na adoção das medidas corretivas.

Mas, no caso aqui do ensino superior, um indicador de qualidade foi convenientemente “esquecido” na matéria do Estadúnculo: o aumento do número de doutores nas universidades federais. Vejam dois quadros esclarecedores. O primeiro é sobre a titulação dos docentes, e o segundo, sobre o regime de trabalho dos professores, nas redes pública e privada:

regime de trabalho docente

titulação docente

 

 

 
Para finalizar, o quadro que mostra a taxa de escolarização no nível superior, em relação ao total da população brasileira:

E tudo isso dentro de um marco legal aprovado no último mês de julho: o Plano Nacional de Educação.

Um esforço de planejamento, cooperação e integração das esferas federativas (União, Estados e Municípios), para o aumento continuado da quantidade, qualidade, dos recursos para educação em nosso país, em um horizonte de dez anos.

É preciso estar sempre atento na maneira de transmitir as informações. O PIG não quer informar objetivamente, e aproveita qualquer falha para distorcer e desqualificar o imenso e continuado esforço para o crescimento e a melhoria da educação em nosso país, em todas as faixas, e sempre em integração de esforços com Estados e Municípios.

taxa de escolarização

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