Estava eu, sonolento após levar a surra mental do sodalício reunido quando, em um ectoplasma radioso, põe-se diante de mim o Poeta Libertário, chorando.
Diz-me, voz embargada que, do etéreo vira, gente que dizia representar sua alma mater, Uma harpia e um careca de olhar esgarço vomitarem tudo que negava a alma da velha casa.
Pediu-me, tremendo, que abandonasse por um instante meu espírito materialista,
E transcrevesse, ainda impolidas, o que do peito lhe brotava, lembrando sua saga antiescravista.
E tascou o que eu, mão trêmula, copiei:
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes
Embuçado numa Janaína?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito…
Onde estás, Senhor Deus?…
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na Cunha penedia
Cem mil pastores, dizem
Evangélicos que são
Em contas nos altos Alpes mamam
E do teu filho Jesus.com são
— Infinito: galé! …
Por abutre — me deste o sol seco do Planalto,
E o Congresso do Brasil — foi a corrente
Que me ligaste ao pé…
Da mulher louca e caprichosa,
Insana e cortesã.
Do rosto o esgar mostra;
Dos cabelos medusas assanha,
No glorioso afã! …
Sempre a láurea lhe cabe no litígio…
Ora uma c’roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Idiotas após ela — loucos amantes
Seguem cativo o passo delirante
Da grande meretriz.
Nem veem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?…
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!
Jesus.com! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos — alimária do universo,
Eu — pasto universal…
Hoje em meu sangue a hipocrisia se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais… irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Há dois mil anos eu soluço um grito…
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!…
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Magnífico. Absolutamente magnífico e oportuno. Parabéns Felipe, espírito livre como o do nosso poeta.