Uma historinha exemplar

Alfredo Nascimento é um político nascido no Rio Grande do Norte e imigrado para o Amazonas, onde estudou e se formou em Letras e Matemática. Próximo de um conhecido político amazonense, Amazonino Mendes, foi por ele nomeado interventor na Prefeitura da Capital, depois se elegeu prefeito da cidade e, dois anos depois, vice-governador na chapa do Amazonino Mendes. Em 2006, elegeu-se Senador pelo Amazonas. Nestas eleições concorre a um mandato de Deputado Federal.

A vida política de Alfredo Nascimento é recheada de denúncias, mudanças de partidos e alianças variadas. Nisso, o parlamentar não difere de tantos outros.

Em seu mandato para o Senado, por exemplo, elegeu-se pelo PR, mas seu suplente foi João Pedro, do PT. Seu mandato terminará em janeiro de 2015. Só para lembrar, o PR era a agremiação do falecido Vice-Presidente do Lula, José Alencar. Atualmente, ele é presidente do PR.

Não o conheço pessoalmente, mas quem o conhece diz que é pessoa simpática, muito envolvente.

Em 2010, saiu do Ministério dos Transportes para se candidatar ao governo do Amazonas (foi derrotado), e é esse o eixo da historinha que quero contar.

Enquanto esteve no ministério, Alfredo Nascimento tentou sempre conseguir meios para reconstruir a Estrada Porto-Velho Manaus.

Essa estrada é uma aberração. Corre paralela ao Rio Madeira, que é o escoadouro natural para a produção do norte de Rondônia e do Acre, além de ser uma das regiões mais importantes do Amazonas.

Euclides da Cunha, por exemplo, já dizia no começo do Século XX que rodovias na região amazônica só teriam importância na ligação entre as calhas dos rios afluentes do Amazonas. Ou seja, no sentido transversal da região, e não no sentido diagonal.

Traçado da BR-319. A calha do Rio Madeira é paralela, à direita.

Traçado da BR-319. A calha do Rio Madeira é paralela, à direita.

Quando os militares (foi a engenharia do Exército que construiu a rodovia) empreenderam a construção, dentro do chamado PIN (Plano de Integração Nacional), encontraram uma região com grandes surpresas geológicas. Achavam que enfrentariam uma região de “terra firme”, que é como chamamos, no Amazonas, as áreas para além da várzea das calhas dos rios. A região da floresta propriamente dita. A principal argumentação era a de que a hidrovia exigia quatro dias de navegação, contrapondo-se a isso os dois dias, no máximo, necessários para que caminhões cruzassem os quase 900 quilômetros da rodovia. Como se vê, um “grande” argumento.

A surpresa foi encontrar muitos trechos com uma instabilidade não prevista, terrenos com muita mobilidade. O terreno não era “firme” como pensavam. Além do mais, era necessário atravessar centenas de igarapés, rios e braços de água. Desculpem-me os geólogos que porventura lerem isto aqui, mas não conheço os termos técnicos precisos. Essa instabilidade, além da pressa e de erros técnicos de construção, deixou a estrada extremamente frágil.

Hoje ela está assim:

Atoladeiros, a constante tentativa da floresta retomar o leito da estrada.

Atoladeiros, a constante tentativa da floresta retomar o leito da estrada.

Marina Silva, enquanto Ministra do Meio-Ambiente do Lula, se opôs frontalmente à reconstrução da estrada. Palmas para a ministra. Marina dizia que era contra, que seria mais barato para o governo financiar passagens aéreas para os manauaras que quisessem visitar Porto Velho, e que não admitia de modo nenhum a construção da rodovia. Principista, ganhava palmas dos ecologistas, claro.

O EIA-RIMA original foi revisto e aperfeiçoado, e efetivamente colocava as dificuldades para a reconstrução e listava as exigências ambientais para que o licenciamento fosse feito. A ministra se mantinha simplesmente na posição de que a rodovia não podia ser feita. Ponto. Parágrafo.

Palmas?

Alfredo Nascimento insistia, e fez da construção da estrada um dos pontos centrais de sua campanha para governador. Todos sabem no Amazonas que o Lula gostava do Alfredo Nascimento e queria elegê-lo.

Pois bem, os conflitos dentro da administração levaram, como sabemos, à demissão de Marina. Os conflitos e o fato dela perceber que jamais seria a indicada por Lula para sucedê-lo. A incapacidade de Marina Silva administrar conflitos e resolver os problemas ficava cada vez mais evidente. Os licenciamentos não resolvidos se emperravam – ou melhor – eram engavetados no gabinete da ministra. Não descartemos no episódio da demissão, portanto, a frustração e os ciúmes pela já pressentida indicação de Dilma Roussef como candidata à sucessão do Lula.

Carlos Minc, então, é nomeado Ministro do Meio-Ambiente e, evidentemente, enfrenta a tempestade de questionamentos. A imprensa sabia que um dos pontos de conflito (não o único, certamente), era a questão da Porto Velho-Manaus.

O que fez o novo ministro?

Respondeu que sim, que a estrada podia ser construída.

Desde que o projeto incluísse todas as exigências de preservação apresentadas no EIA-RIMA, que incluíam severas restrições para acessos vicinais, que fatalmente se tornariam vias de escoamento de madeiras, aumentando o desmatamento.

Os requerimentos técnicos por si só são complicadíssimos (mas as empreiteiras gostam disso: mais exigências, mais custo). No entanto, o aumento de custo e a análise do financiamento enterram o projeto. Para atender as exigências ambientais, a estrada de quase 900 quilômetros ficaria quase tão cara, por quilômetro construído, quando a Emigrantes, em S. Paulo, que é quase toda levantada sobre pilotis.

A decisão do Minc, entretanto, resolveu um enorme problema político. Minc certamente conhece os problemas técnicos. Mas agiu como POLÍTICO. Querem construir a estrada? Podem, é claro, o MMA autoriza. Desde que o projeto obedeça às exigências ambientais.

A estrada jamais foi reconstruída e não o será nunca, enquanto forem mantidas essas exigências. Alguns trechos locais funcionam bem e estão até asfaltados, mas a área problemática continua – felizmente – sendo recuperada pela floresta.

A “solução” da rodovia Porto-Velho Manaus é absurda. Nem é preciso ser técnico para entender isso. O Rio Madeira é plenamente navegável entre Porto Velho e Manaus (o projeto da estrada, aliás, esquece que a travessia do Amazonas é feita por balsas). Em vez da estrada, é importante melhorar as condições de infraestrutura para que a hidrovia do Madeira seja ainda mais eficiente. Isso está devido ainda pelo governo de coalisão encabeçado pelo PT, no qual o PR (Nascimento é o presidente) faz parte. O uso da hidrovia não é apenas potencial. O porto de Itacoatiara, que fica mais próximo ainda da foz do Madeira e a jusante de Manaus, recebe hoje um enorme volume de carga que desce de Rondônia através do rio, e dali segue para o resto do país ou para o exterior.

Essa historinha mostra bem as dificuldades de um governo de coalisão. Alfredo Nascimento ainda é senador eleito (como os parlamentares ruralistas, evangélicos e todos os demais). Essa composição de forças no Congresso simplesmente reflete as contradições do país e não pode ser ignorada. Principismo, governo “dos bons” é, sempre foi e sempre será, simplesmente, o caminho da destruição da democracia, a via do autoritarismo. Mas ainda voltarei sobre esse assunto.

Marina Silva agora quer ser Presidente da República. Há muito sonha com isso (sonhática?). Abandonou o partido pela qual ficou conhecida – lembremos, mais uma vez, que Chico Mendes foi fundador do PT, e assassinado pela elite – e que lhe deu visibilidade. Demonstrou incapacidade radical para resolver problemas. Aparelhou o MMA (com gente honesta ou simplesmente ongueiros que a apoiavam?). Não conseguiu administrar conflitos. Simplesmente os exacerbou.

Eu não caio nessa.

 

 

Esta entrada foi publicada em Sem categoria e marcada com a tag , , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

3 respostas para Uma historinha exemplar

  1. Giba disse:

    É “Imigrantes”.

  2. Gali disse:

    Muito bom o texto, mas o MMA continua aparelhado, e engessado mais do que nunca…. e não vai ser em mais 4 anos de Dilma que isso vai mudar. Pelo contrário, como a queridinha dela, Kátia Abreu, já declarou aos 4 ventos…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *