DOIS ONZE DE SETEMBRO

Os gringos e a imprensa mundial não deixam ninguém se esquecer do 11 de setembro de 2001. O atentado ao World Trade Center em New York provocou não apenas quase três mil mortes diretas, como gerou uma série de guerras, foi pretexto para a promulgação do “Patriotic Act” – lei que dá superpoderes de corte fascista à polícia e ao Ministério de Segurança dos EUA –, levou ao investimento de bilhões de dólares na espionagem eletrônica pelo mundo inteiro.

Bom, os Estados Unidos experimentaram na pele aquilo que já haviam contribuído ativamente para fazer o povo chileno sofrer, em um 11 de setembro, em 1973, quando o general Pinochet derrubou o governo de Salvador Allende. Golpe que deixou mais de 35.000 vítimas diretas: 28 000 foram torturados, 2.279 deles executados e cerca de 1.248 que continuam como desaparecidos depois de presos. Para além disso, cerca de 200.000 pessoas iriam para o exílio e um número não determinado (de várias dezenas de milhares) passou por prisões clandestinas.

11 de setembro de 1973. La Moneda bombardeado no golpe do Pinochet.

11 de setembro de 1973. La Moneda bombardeado no golpe do Pinochet.

Depois de dois anos preso pela ditadura brasileira, tive que sair do Brasil. Mas queria ficar na América Latina, e se vislumbravam três opções: Argentina, Chile e Peru. A Argentina, com Perón, já deslizava para o golpe. No Chile, com Salvador Allende, comentava-se que o exército era “democrático” e que o país não sofrera a praga dos golpes que assolavam o resto da América Latina. No Peru, diziam que o exército já havia feito uma “revolução de esquerda”, com reforma agrária, desapropriação de grandes fazendas, desapropriação das refinarias, nacionalizações, etc.

Jamais acreditei em forças armadas que se voltassem contra a estrutura de classes de um estado. Por isso mesmo, essa história de que o exército chileno jamais daria um golpe nunca me convenceu. Então, descartamos o Chile.

No Peru, a situação era diferente. Queríamos entender o que acontecia por lá, mas isso já será objeto de outro post. Só adianto que a experiência peruana me vacinou totalmente contra a doença de acreditar que exército institucionalizado pode ser revolucionário e popular, uma febre que de vez em quando acomete a esquerda.

O fato era que estávamos morando em Lima naquele fatídico 11 de setembro.

Internet não havia, é claro. Desde a véspera, as notícias da iminência do golpe cresciam. A situação vinha se agravando a diário, aliás, e a demissão do General Prats (que depois foi assassinado pelos sicários do Pinochet), deixava iminente que pelo menos haveria tentativa de golpe.
Acreditava-se, entretanto, que o governo de Allende teria condições de resistir. Carlos Altamirando, do PC Chileno, disse que o Chile se transformaria em outro Vietnã. No fundo, apesar de não acreditar nisso, tínhamos esperança de que a experiência da Unidad Popular sobrevivesse.

Aconteceu o que aconteceu.

11 de setembro de 2001. As torres atacadas.

11 de setembro de 2001, As torres atacadas.

No segundo 11 de setembro, o que atacou a Gringolândia, eu estava em Montreal, participando – a convite dos canadenses – de um encontro sobre diversidade cultural. Era parte do movimento que acabou resultando na Convenção sobre a Diversidade Cultural, aprovada e já ratificada pela UNESCO.

No intervalo do primeiro dia do encontro (11), estourou a notícia, com as imagens do primeiro avião batendo na torre do WTC. Foi um desconcerto total. Na hora do almoço, já com as filmagens do segundo avião e a queda dos edifícios, a consternação era geral.

Bem ou mal o encontro continuou até o final, no dia seguinte.

O noticiário era um horror. Primeiro, o aviso que de todos os voos de e para os EUA estavam suspensos. Eu tinha passagem de volta já na quarta, via New York, onde pretendia passar um par de dias. Tudo suspenso.

Os canadenses, corretíssimos, avisaram que garantiam o hotel enquanto durasse a proibição de pousos, e colocaram seu pessoal para tentar resolver cada caso. Para os europeus não havia problema, pois os voos continuavam operando. Mas, para os sul-americanos, não. Todos os voos faziam escala, na época, em alguma cidade dos EUA. Se o problema continuasse, cheguei a cogitar em comprar uma passagem para a Europa e de lá voltar para o Brasil.

Montreal é uma cidade ótima, com uma vida cultural intensa. Só que ninguém tinha ânimo para ir a cinema, teatro ou concerto. Todos os ilhados passavam o dia no quarto, vendo o horripilante noticiário.

Os comentaristas da televisão dos EUA eram um espetáculo a parte, e extremamente deprimente. As exortações para a guerra eram continuadas e histéricas. Pérolas como um deles dizendo que isso de direitos humanos só valiam para os gringos, e que aqueles terroristas nojentos tinham que ser exterminados, saíam a três por dois.

Um dos convidados ao encontro era o Daniel Divinski, da Ediciones de la Flor, a editora do Quino, entre outros. Daniel é um sujeito formidável, bem-humorado, com uma história impecável de combate à ditadura argentina e pela liberdade de expressão. Um desses dias, no café da manhã, decidimos sair de alguma maneira para espairecer.

Já era final do outono, o que, no Canadá, significa frio pra caramba, embora não nevasse. O hotel estava perto do cais do rio São Lourenço, a porta de entrada do Canadá pelo Atlântico. É um enorme estuário, com muitas ilhas.

E o serviço de bateau mouche ainda estava funcionando.

Sem disposição para coisas mais profundas, lá fomos nós. Dois senhores, de sobretudo e cachecol, sozinhos no deque do barco, tomando uma taça de vinho pelos meandros do rio, comentando o evento e, é claro que sem nenhuma necessidade de bola de cristal, prevendo a chuva de bombas que cairia no Iraque e no Afeganistão.

Na sexta-feira consegui voltar para o Brasil, via Houston. Deprê que nem só, com esse segundo 11 de abril, tal como no primeiro.

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1 respostas para DOIS ONZE DE SETEMBRO

  1. Silvio Interlandi disse:

    Belíssimo texto!!

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