Nos últimos dias tenho recebido mensagens convocando para um ato de “abraçar” o Instituto Lula, na sexta-feira, dia 7.
Não vou.
Poderia ir, fossem outras as circunstâncias e outro o modo como foi feita a convocação. Chego lá, mas antes é preciso declarar algumas coisas, para deixar evidente meu ponto de partida.
Antes da fundação do PT, a Ala Vermelha, organização clandestina na qual militava e por conta dessa militância fui preso, torturado e exilado, discutiu amplamente a atitude a tomar diante da proposta que começava a ser formulada, de criação desse novo partido legal. Houve companheiros que defenderam a adesão ao PT como se este fosse o “novo” partido revolucionário, substituindo as formas que já se manifestavam como anacrônicas de atuação partidária e política dentro das quais atuávamos. Dito seja de passagem que companheiros nossos tiveram um papel importantíssimo na articulação do movimento sindical no ABCD, através do “ABCD JORNAL”, que garantiu a comunicação da diretoria do sindicato dos metalúrgicos com os operários, desde antes da greve e da deposição da diretoria pela ditadura.
Junto com muitos outros defendi a criação do PT como partido eleitoral mais capaz de atuar nas novas circunstâncias da redemocratização que o MDB, o saco de gatos que sempre foi e como o PMDB continua sendo. Repito, uma forma mais capaz de atuar eleitoralmente.
Com essa posição, trabalhei para conseguir afiliados para o processo de legalização. O PT conseguiu seu registro ainda nos estertores da ditadura, que não conseguiu impedi-lo porque já estava agonizante.
Trabalhei nesse processo – e nunca ocupei nenhum cargo partidário – consciente de que não se tratava de nenhum partido “novo”. Era uma forma de luta política-eleitoral, dentro do sistema capitalista e sujeito às injunções da política legal. Por isso mesmo, jamais tive ilusões com o PT. E, por isso mesmo, também não tenho do que ficar desiludido.
Nesses anos todos votei principalmente nos candidatos do PT.
Vou continuar votando no PT. Com as exceções que me parecerem corretas.
E isso por que, ainda que não seja, nunca tenha sido e jamais virá a ser um “partido novo”, os governos do PT promoveram transformações sociais cruciais para a melhoria da vida dos trabalhadores; combateram a miséria e a fome e deram novos rumos à política externa. Jogou o jogo da legalidade e dentro do sistema, e ganhou as quatro últimas eleições.
Por isso mesmo, querer roubar essas vitórias eleitorais tem velho registro na América Latina: chama-se GOLPE DE ESTADO.
Se o de 1964 foi uma tragédia, esse que se anuncia pode ser até uma farsa, mas pode se transformar em uma farsa sangrenta e destroçar a frágil democracia em que vivemos.
Mas não estou aqui para fazer inventário nem de acertos nem de erros, que dos dois há para todos os gostos.
Só faço questão de ressaltar que a corrupção é uma consequência pura e simples do sistema capitalista. O processo eleitoral gera corrupção. E, o que muito pior, gera essa ilusão moralista, esse udenismo redivivo que acha que ser “contra a corrupção” é a solução para todos os problemas do mundo.
Não é, nunca foi, jamais será.
Não se trata tampouco de ficar na ladainha de saber quem roubou mais ou menos. O combate à corrupção é assim meio como uma tarefa de Sísifo: tem que ser feita continuadamente, mas nunca termina. Os malandros sempre acham maneiras de encontrar as brechas. Devem ser combatidos, processados e condenados, quando prova houver dos crimes cometidos. Não vale a “jurisprudência barbosista” de que “está na cara”. O que está na cara são olhos, boca e nariz, não caráter e muito menos prova de crime.
Os enfrentamentos de classe, as injustiças sociais e as desigualdades são as grandes questões enfrentadas por todas as sociedades, e o moralismo não resolve nada disso. Não sou cristão (devoto de São Luiz Buñuel, vivo repetindo: graças a deus, sou ateu!), mas o tal nazareno tinha toda razão quando invectivou quem nunca pecou a atirar a primeira pedra.
Continuo acreditando no ideal de uma sociedade na qual “de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades”. Não existe objetivo social mais amplo e justo que esse. Que eu me nego a chamar de utopia, entre outras tantas razões porque acredito que chegaremos lá, em algum momento, e também porque essa história de utopia, inventada pelo hipócrita do Tomás Moro, é um conceito de sonhadores que não leva a nada. E de Moro já estou farto há muito tempo.
Mas também devo reconhecer que, nestas alturas, o como chegar nessa sociedade já escapou da capacidade de formulação da minha geração. Lutamos bons combates, conseguimos muitas coisas. O marxismo acadêmico atualmente vigente pode explicar um monte de fenômenos, mas não consegue chegar aos pés da imensa necessidade formulada por Marx: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”.
Isso já ficará para as próximas gerações.
Mas, diante de tudo isso, porque não vou ao “abraço” do Instituto Lula?
Mesmo que fosse um repúdio ostensivo ao ato terrorista contra o Instituto, o repúdio por si só não é o suficiente. A questão é: como combater essa aparente avalanche da direita? Certamente não é ir abraçar Lula e seu Instituto. Falta muito mais.
Falta mais – como fez falta na nota oficial da executiva do PT – uma denúncia contundente contra o golpe em marcha; fez falta uma diretiva concreta de combate a essa tentativa de golpe em marcha. E como fez falta também a defesa contundente do princípio jurídico de que todas as pessoas são inocentes até serem julgadas.
Vivemos um “momento Torquemada”. As pessoas são acusadas e não têm sequer o direito de saber o conteúdo da delação de quem os acusou. Um momento em que delatar passa a ser virtude, e delação não precisa de provas e passa ser verdade absoluta. Um procurador da República, que institucionalmente teria que defender a lei, trata delatados como criminosos, como se julgados e condenados já o fossem. O primeiro Moro mandou queimar vivo os hereges que não reconheciam a autoridade papal, o segundo emula o Grande Inquisidor com acusações baseadas em delações secretas e “premiadas”.
Recentemente, e a propósito do Moro de plantão, andei lembrando muito do romance “Vida e Destino”, do Vassili Grossman, que li em inglês há alguns anos, e recentemente lançado aqui. As resenhas têm ressaltado muito os episódios relacionados com a Batalha de Stalingrado. Mas, para mim, foram extremamente marcantes algumas das outras subtramas do romance. Uma delas diz respeito aos interrogatórios feitos pela KGB na Lubianka. Um dos personagens, que de certa forma sintetiza todos os dirigentes do PCUS vítimas do Stálin, é interrogado lá dentro. Sem tortura. Ninguém encosta um dedo nele. O jogo é político e ideológico, com os interrogadores manipulando declarações, pequenos fatos e comportamentos do acusado. Comunista, este se vê progressivamente encurralado e pratica verdadeira autoimolação, confessando e delatando as pessoas com as quais compartilhou militância, vida e experiência. No final, “reabilitado” no esforço de guerra, é comandante de uma das colunas de blindados que rompe o cerco de Stalingrado e parte para a ofensiva final contra os nazistas.
As memórias da viúva de Bukhárin também relatam situação parecida. Não foi a tortura física que o levou a ter o comportamento público abjeto no julgamento. Foi a destruição moral dos interrogatórios, horas e horas seguidas, trocando os interrogadores e martelando os mesmos pontos. E o romance “Os Filhos de Arbat”, de Anatoly Rybakov, também trata desse mesmo tipo de episódio.
As experiências dos interrogadores de Stálin há muito foram assimiladas pelos modernos Torquemadas, e os exemplos do Moro de plantão só fazem confirmar isso. Com delações, interrogatórios e ameaças contra as famílias, vai se colocando o estado de direito e a presunção de inocência no esgoto.
Evidentemente não quero, nem de longe, comparar os empresários corruptos presos pela PF com os dirigentes comunistas. Apenas ressaltar que todos os presos do Dr. Moro SÃO TORTURADOS. E os cretinos aplaudem, como aplaudiram a ação da KGB em 1935. E nós, inertes.
A direção do PT e o Lula ficam patinando na inanição de querer apaziguar essa direita feroz que parte para a jugular.
Nesse sentido, mas não posso deixar de ressaltar a correção da observação feira pelo Breno Altman: “a política aceita quase qualquer coisa, menos a humilhação de quem decide, por covardia ou erro de cálculo, perder sem lutar”.
A direção do PT se comporta de modo similar à do PCB nas vésperas do golpe de 64. Dá uma de avestruz. Jango caiu na conversa do falastrão do Assis Brasil e seu “esquema militar”; Lula e a direção do PT apostam em uma mobilização popular que não souberam nem mesmo preservar, muito menos aprofundar e consolidar.
E não estou para gestos puramente simbólicos.
Por isso, não vou.
Obrigada, Felipe. Autêntico e generoso, como de costume. Bela análise, triste momento.
Excelente texto, Camarada Felipe – Messias.
Correto e oportuno.
Subscrevo.
Ainda que considere a comparação com o período Stalin um exagero – este bando de conspiradores (energúmenos de meia-tijela), diferentemente do que aconteceu (ou possa ter acontecido na velha União Soviética) conspiram e torturam não para a defesa do nosso território, riquezas e sua equitaativa distribuição, mas para entrega-los ao grande capital sediado sobretudo em Washington. Asssim, as canetadas e quarteladas do nosso país (e continente) se assemelham à Invasão de Stalingrado, sendo que, em nosso caso, os que deveriam defender e resistir, capitulam e não duvido mesmo que alguns colaborem com os “invasores”.
Vou distribuir o link para todas as minhas listas.
Eu também não irei abraçar o Instituto – pelas mesmas razões que você, e outras mais. Ao contrário, preparo-me para me alistar para a defesa da nossa “Stalingrado”. Mesmo que só nos reste escrever textos
Agora, com a nota da Fiesp (a Dona dos Porcos – ainda que não a única) quem sabe os chefes dos chiqueiros se recolham às suas unidades habitacionais – pelo menos, por algum tempo.
Quanto ao dia 16 de agosto, seria pândego, não fosse dramático,
De todo modo, penso na falta que nos faz nosso velho e bom Sacchetta.
Putabraço,
Alipio Freire – Biu
Camarada Biu,
Faz falta o camarada Sachetta, e outros… Como os que espalharam as penas verdes dos fascistas na praça da Sé.
Gostei muito do texto. Inclusive da referência ao período stalinista. Como a esquerda não costuma falar muito disso, o imaginário é que durante aquele período se praticavam torturas físicas etc. Este resgate, mesmo que não se deva comparar escroques com divergentes políticos, é interessante e importante.
É verdade. Lembrei do caso para mostrar que as técnicas de tortura podem variar e, principalmente, ser aprendidas.
Você tem razão, não se pode comparar os escroques com os comunistas. Mas, como alguém que passou pela tortura, tenho consciência de que esses métodos não podem ser aplicados em ninguém. É uma degradação. E o Torquemada Moro e seus sequazes da PF e do MP, para mim, são equivalentes aos torturadores do DOI-CODI.
Caro Lindoso (“Messias” ou “Senador”)
Da leitura desse seu texto depreendo a visível linha divisória das relações políticas, ideológicas e sociais perpassando os vários momentos citados da história.
Penso que a contribuição da Ala Vermelha e a de outras organizações e revolucionários daquela época, foi ter levado às ultimas consequências a resistência contra a tenebrosa ditadura de direita emergente do golpe de 64 e que se propôs a qualquer custo renovar o capitalismo aprofundando a exploração de um classe por outra.
Essa luta produziu uma nova consciência histórica de classe, que sobreviveu a toda violência imposta pelos golpistas(perseguições, torturas e assassinatos) no intento de exterminar a geração anterior e a nascente, que sobrevivente, derrubou o que restava daquela ditadura e quando conseguiu se unir a classe trabalhadora, decidiu-se por formar o PT. Na impossibilidade, de ocultar erros e vícios anteriores chegaram a cogitar ser o partido de “novo tipo”.
Mas, esse impulso revolucionário foi sendo contido e controlado pelas decisões da direção que adaptava-se a cada lance aos interesses da “democracia”, que renascia, claro, com a ascensão de “uma nova classe” de burocratas. Mesmo assim alguns militantes honestos e corajosos chegavam acreditar ser necessário essa experiência com a burocracia para o amadurecimento da classe para as lutas posteriores.
Neste contexto, a inevitável colaboração de classes emergiu com toda força, quando essa burocracia vislumbrou a perspectiva da tomada do Estado através de vitórias eleitorais, promessas de algumas reformas como forma de manter o controle social evitando as novas formas de lutas dos trabalhadores e assim atenuando e ocultando o choque de classes.
A deturpação de própria historia aliada a expulsão de alguns militantes e tendências oponentes virou método como consequência direta dessa política. “A Carta aos Brasileiros” lançada ás vésperas da primeira eleições de Lula, em 2002 selou o destino não deixando dúvidas do que viria.
Por um tempo, pode-se até dizer que essa política foi bem sucedida. Mas a crise do capitalismo é maior e diariamente se apresenta a classe trabalhadora apesar de toda vontade e tentativas da classe dominante em ocultá-la. Em pouco tempo, como vemos, a colaboração de classes começa a ser minada e expõe suas fraturas mandando sua fatura histórica. A derrocada dessa política colaboracionista com todas suas “reformas” e variantes é o que assistimos nesse período recente. E, os que nunca concordaram com ela não devem mesmo subsidiá-la, em nome da própria história, ideias e defesa de classe.
Tempo que passa, luta que segue…
Abs.
“Carlos de Biasi Gomes”
Thaelman CarlosM. de Almeida