O Delegado Leandro Daiello, Diretor-geral da Polícia Federal, deu entrevista às jornalistas Eliane Cantanhêde e Andreza Matais, publicada no domingo, dia 5 de julho, na página 6 do provecto matutino paulistano.
A manchete, com cara de catilinária, reza que “Lava Jato prossegue, doa a quem doer”, e no lead da matéria a notória Eliane e sua assistente declaram que Daielo “saiu do quase anonimato e disse ao Estado que, mesmo que as as investigações cheguem perto da presidente Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula e de suas campanhas, isso não muda nada na Lava Jato e ninguém estará livre de ser investigado. ‘Nós investigamos fatos, não pessoas. Aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer’”.
Ora, por quem sois, delegado Daiello. Que as investigações devem chegar até o final é algo que já foi dito muito mais vezes que as três evangélicas vezes que sua excelência afirmou na entrevista. E dito precisamente pelo ex-presidente Lula e a presidenta Dilma.
Aliás, os dois mandatários fazem questão, sempre, de afirmar que nunca a PF teve tanta autonomia para investigar quanto agora. Ao contrário do mandarinato tucano quando, junto com o Engavetador Geral da República, tudo era arquivado.
Isso tudo deu um tom bem estranho à entrevista do delegado. Para mim, foi uma “confissão premiada”, uma tentativa de justificar não sei o quê para não sei quem. E contando com a preciosa ajuda das jornalistas, que simplesmente deixaram de fazer várias perguntas fundamentais, que obrigatoriamente deveriam ser feitas quando o “quase anônimo” resolveu abrir o bico. E que também se esquecem de fazer a seu superior, o sofrido dr. Cardozo, nosso atual Ministro da Justiça.
Como nas famosas “delações premiadas”, o prisioneiro fala o que seus captores querem ouvir. E tem sempre uma memória altamente seletiva. O tal Yousseff (que já foi preso antes e saiu graças a uma dessas delações, na qual se esqueceu de contar um monte de coisas), volta e meia “se lembra” de mais algum detalhe.
Pois bem, o delegado Daiello foi falando sobre o que lhe perguntaram. Além das evasivas contumazes, obviamente não falou sobre o que não foi perguntado. Por isso digo que a entrevista foi uma “confissão premiada”.
Vejamos alguns detalhes.
“A PF tem uma grampolândia?”, perguntaram. Ele respondeu: “Os equipamentos podem ser auditados para saber quem usou, no que usou. A PF não é uma grampolândia. Não chega a 1% o número de investigações com monitoramento telefônico. Na Acrônimo (que investiga o governador de Minas, Fernando Pimentel) não teve, por exemplo”.
O que não foi perguntado: Quem audita? “Quis custodiet ipsos custodes?”, ou “Quem vigia os vigilantes?”, se perguntava Juvenal, o satírico. Ora, a Corregedoria da própria PF, responde o delegado. Ou seja, a corporação, interna corporis, vigia a si mesma. Para mim, não vale.
A mesma tangente é usada pelo delegado quando gentilmente perguntado sobre os vazamentos selecionados: “Toda e qualquer conduta duvidosa é apurada imediatamente pela Corregedoria”.
Alguém por aí já viu alguma resultado de apuração das várias denúncias e reclamações sobre os sucessivos vazamentos de depoimentos da PF? Vazamentos que, curiosamente, saem na medida para que a Veja publique na sexta-feira o que foi colhido na quinta-feira à noite? Até hoje não vi nada disso.
No entanto, quando se reclama que a PF está indisciplinada e sem controle, o que está em jogo é precisamente isso: escutas e vazamentos divulgados de modo selecionado, em processos sob segredo de justiça e sempre com alvos muito bem escolhidos.
O delegado Daiello diz que “a PF é controlada pela lei”. Ora, por quem sois, doutor Daiello? “A lei” é uma entidade que vigia os policiais?
Ah, mas não é apenas a lei. “Os fatos”, “aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer”, repete o chefão da PF.
Sou um leitor atento de romances policiais. Um dos truques mais comuns dos policiais corruptos é seguir os fatos – sempre bem selecionados entre a miríade de “fatos” disponíveis diante do investigador. O tira esperto sabe muito bem que fatos podem levar à condenação de inocentes, ou “os fatos” podem simplesmente levar a becos sem saída.
Se o delegado Daiello fosse um jovenzinho inexperiente, eu poderia dizer que se trata de um ingênuo iludido por uma pseudo percepção da realidade. Como ele já é aquilo que podemos classificar de rodado e experiente, o único comentário pertinente é: o cara tá querendo gozar com a minha cara.
Lá em outro momento ele cita mais uma versão do velho truísmo: siga o dinheiro. “O foco é descapitalizar as organizações criminosas, porque sem dinheiro elas se enfraquecem e, asfixiadas, também não tem como corromper servidores e entes públicos. Por isso, várias operações que cresceram começaram com a investigação de doleiros. É aí que está o dinheiro”.
Legal, o delegado Daiello já julgou e condenou os manipuladores de grana. Ele até fala que conversa sempre com o Ministro sobre “assuntos correlatos à PF, fronteira, tráfico, equipamentos novos…”
É curioso, mas até hoje não vi a PF “ir atrás do dinheiro” dos financiadores do tráfico, do contrabando de armas. As prisões que foram feitas nessa área resultaram sempre da cooperação com outras polícias (mafiosos, cartéis colombianos de drogas, etc.). E não geraram nenhuma investigação adicional. Por aqui mesmo o que vemos é a brincadeira de apreensão das drogas, muito raramente de armas, mas nada de ir atrás de quem financia tudo isso.
É o caso, para lembrar, do helicóptero dos Perrela e sua meia tonelada de cocaína. Nesse caso – e sabe-se lá em quantos outros mais – os fatos, literalmente, viraram pó.
Mas nossas ínclitas jornalistas nem se preocuparam em perguntar sobre esses pequenos detalhes. Quando ele mencionou os nomes mágicos de Lula e Dilma… Os objetivos da “entrevista” estavam atingidos e o resto era detalhe. E quando ele jogou o governdor Pimentel no meio, então, foi a sopa no mel. Logo o cara que aporrinha a administração do queridinho presidente do PSDB. Que audácia desses petistas!
Como disse antes, existem fatos e fatos. Alguns são selecionados, outros convenientemente transferidos para o âmbito do genérico. E quando um par de jornalistas, supostamente experientes, deixa passar tudo isso, é inevitável pensar: elas perguntaram o que haviam combinado com o delegado Daiello, o ex-quase anônimo, sobre que fatos iriam conversar.
Um papo defensivo, uma verdadeira “confissão premiada”, preventiva e manipuladora. Que não esclareceu nada de nada.
O Daiello bem que podia continuar anônimo a aprender a fazer seu trabalho com mais equanimidade. Mas a vaidade…
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