“Necesitamos inflingir derrotas a las políticas neoliberales. Para ello, la experiencia griega enseña que movimientos y movilizaciones son la condición indispensable, el punto de partida de este proceso, pero no son suficientes en sí mismos. Hay que tomar el Estado sin dejarse tomar completamente por el Estado. Ahí está todo el problema”. Stathis Kouvelakis em “Tomar el poder sin dejarse tomar por él: diálogo entre el filósofo Alain Badiou y Stathis Kouvelakis, de Syriza”
Confesso que não conheço em profundidade nem o Syriza grego nem o Podemos espanhol. Acompanho o noticiário, na medida do possível, e gostaria de saber mais, tanto sobre as propostas políticas como também sobre a estrutura (ou estruturas) organizacionais dos gregos e dos espanhóis.
A matéria de onde extraí a citação acima é um longo diálogo entre o veterano filósofo francês Alain Badiou (com quem nem sempre compartilho ou compartilhei as posições políticas) e Stathis Kouvelakis, que é professor de Ciência Política no King’s College de Londres, membro do Comitê Central do Syriza. Kouvelakis
teve sua formação acadêmica praticamente toda feita na França, e tem como uma de suas principais tribunas o jornal online Jacobin. Apesar do nome francês, Jacobin se apresenta como “a leading voice of the American left, offering socialist perspectives on politics, economics, and culture. The print magazine is released quarterly and reaches over 10,000 subscribers, in addition to a web audience of 600,000 a month”.
O diálogo é muito interessante e ilustrativo dos impasses e possíveis saídas para a crise grega, as perspectivas do Syriza diante das autoridades monetárias e políticas europeias, e realmente vale a pena ser lido.
Entretanto, gostaria apenas de chamar atenção, e brevemente, para os pontos apontados na epígrafe.
Para mim, hoje, há clareza sobre uma – se não a principal, uma das principais – razão das dificuldades enfrentadas pelo Partido dos Trabalhadores, que inicia o quarto mandato na Presidência da República enfrentando uma crise de enormes proporções. Essa razão é a seguinte: o PT tomou a cabeça do poder do Estado (falar em tomar o Estado é, aqui – e acredito que na Grécia também – um exagero formidável), e deixou-se “tomar pelo Estado”. Ou, pelo menos, pelo governo. E abandonou a fonte de sua força, que sempre foi a forte presença nos movimentos sociais.
As peculiaridades do sistema político brasileiro tornaram possível a eleição do Lula – e depois da Dilma – dentro do que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão”. Ou seja, uma forma de governo na qual o Presidente da República manda muito – embora menos do que se supõe – mas depende do apoio de forças muito heterogêneas no parlamento para poder governar.
Essa lição foi aprendida por todos bem no início da retomada da democracia. O governo Collor caiu fundamentalmente por desprezar a correlação de forças no parlamento, e acreditar em demasia no poder presidencial. Some-se a isso o fato da eleição do “caçador de marajás” ter-se dado em um contexto em que a direita conservadora topava qualquer coisa para evitar a eleição do Lula, inclusive, no frigir dos ovos, apoiar um candidato demagogo, inconsistente, e que crescia com uma retórica moralista e populista que se revelou totalmente incompetente logo nos primeiros meses de governo.
A debilidade do partideco que nominalmente lançou o Collor, e a desaforada tentativa de compra de apoios com o leilão de cargos conduzida pelo caixa-preta PC Farias completaram o cenário de sua desestabilização, que resultou no impedimento.
Itamar Franco, raposa velha e peluda, percebeu o erro e já montou seu governo com o acolhimento da mais ampla coligação parlamentar que conseguiu. O PT ficou de fora, por decisão própria, com exceções individuais, como a da Luiza Erundina. Estava correto, naquele momento. Se entrasse oficialmente no governo Itamar, já perderia as condições de base que levaram à vitória do Lula, oito anos depois: o trabalho e o desenvolvimento dos movimentos sociais.
Entretanto, ganhar a eleição para a presidência não significa ter condições de governar. A experiência Collor já havia deixado isso muito claro. Era necessário, portanto, construir uma base parlamentar que permitisse o desenvolvimento das metas sociais, ainda que se fizessem concessões em várias outras áreas. Lula já havia começado a construção disso com a famosa Carta aos Brasileiros.
Muito bem. Ganhou as eleições. Daí em diante se colocavam duas tarefas: manter a mobilização popular para garantir os avanços; construir a base parlamentar que evitasse a turbulência do mesmo tipo que derrubou Collor.
Em relação a esse último ponto é que surge – e permanece até hoje, a importância do PMDB. Esse partido, herdeiros dos escombros da frente que se reuniu para fazer a “transição pacífica da ditadura”, possui duas características básicas: uma enorme capilaridade, absorvendo todo tipo de lideranças locais e regionais. Desde as mais conservadoras e reacionárias, até segmentos dos movimentos populares. O resultado é, sempre, a eleição de uma forte bancada parlamentar. O resultado disso é a presença, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, de quadros que conhecem intimamente os modos de funcionamento das duas casas. São raposas imbatíveis, pelo número e pela habilidade, no funcionamento cotidiano do parlamento. Raramente agem unidos. Aliás, só se unem realmente na defesa de interesses ameaçados. Mas sempre cultivam dissensos sobre como fazer isso. É a força e a debilidade do PMDB.
José Dirceu, que havia coordenado a campanha, imediatamente depois das eleições abriu negociações com o PMDB para que este integrasse a base parlamentar de apoio ao governo do PT, diante da evidência de que, embora houvesse elegido sua maior bancada naquela eleição, sozinho o partido não conseguiria dar sustentação ao governo. Chegou a fechar os termos de um acordo. No final, Lula, influenciado inclusive por seu vice, José de Alencar, optou por recrutar o apoio de meia dúzia de partidecos para compensar a ausência do PMDB e se contrapor ao PSDB/DEM na oposição.
Uma falha de avaliação fundamental de Lula. Confiar em um notório bandido como o Roberto Jefferson e gente como Janene, Pedro Corrêa, e quejandos, deu no que deu.
Mas a tragédia que se desenhava no PT mal começava.
A ocupação de cargos-chave no governo – era importante, sim. Bobagem negar isso. Mas teve como resultado drenar os melhores quadros dos movimentos sociais e dos sindicatos para atuar no governo. O que resultou no seu enfraquecimento, o que se procurou compensar com os mais tradicionais meios do peleguismo.
Nesse momento e nessas condições começava a tragédia do PT. O movimento social perde força e as ações governamentais passam cada vez mais a depender das articulações dentro do Congresso, até para garantir as linhas mestras das políticas sociais de distribuição de renda, expansão da base de consumo interno, etc. Mesmo às custas de muitos e importantes anéis, manteve-se essa base de crescimento do apoio popular.
Só que, em vez de apoio orgânico, embasado na organização e luta pelas conquistas, transformou-se em apoio inorgânico, sustentado pelos resultados das políticas sociais. Isso foi aprofundando o afastamento e a perda de capacidade de mobilização e ação dos movimentos sociais e dos sindicatos.
Mesmo assim, essa situação permitiu compensar o desgaste do chamado “mensalão”, ainda que mostrasse que a direita não estava para brincadeiras. Teve fôlego para a eleição de Dilma e até mesmo para sua reeleição.
Observação de interlúdio. A primeira vez que ouvi a então Chefe da Casa Civil fazer um discurso para uma assembleia de militantes e representantes de segmentos de massa foi na II Conferência Nacional de Cultura. Foi um desastre. Chamou os delegados à Conferência de “congressistas”, duas e três vezes, até ser interrompida pelo Lula: “Dilminha, os congressistas são os deputados e senadores. Os companheiros aqui são delegados”… E foi por aí, demonstrando a falta de traquejo político e de intimidade com a vida concreta da política, que hoje está mais que evidente.
Meu comentário junto a companheiros e amigos: a candidata é uma mala pesada, sem alça e sem rodinha. Vai ser uma parada…
Está sendo.
A situação no segundo mandato ainda é pior, para além da crise econômica, sobre a qual sempre comento: quem dizia que a crise havia acabado era o Armínio Fraga. O Mantega, em debate com ele mediado pela Míriam leitão – em uma de suas poucas demonstrações recentes de como pode ser boa jornalista – deixou claro que as políticas que serviram para combater as primeiras etapas da crise internacional já estavam superadas e que era necessário usar novos instrumentos e fazer mudanças. Quem acha que o ajuste fiscal foi feito contra o ex-Ministro simplesmente não sabe o que diz. Já o conteúdo concreto e a forma desse ajuste deve ser objeto de outros comentários. (Quem é assinante de algumas das operadoras pode buscar o debate no play da GloboNews).
A crise econômica, entretanto, é apenas parte do problema.
Marx dizia que a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa. Pode ser dito que a manobra fracassada de Lula de escantear o PMDB no seu primeiro mandato foi uma tragédia. Mas as manobras da equipe encabeçada pelo Mercadante de fazer o mesmo no segundo mandato da Dilma têm, definitivamente, o gosto de farsa. Esse cara não aprende nem com o que está na cara dele.
Pensar que é possível passar a perna no PMDB com manobras como a bolada pelo Kassab, de criar mais um partido para sugar “dissidentes” de vários, e apelar para personagens totalmente insignificantes dentro da estrutura do PMDB, como a Kátia Abreu, revelam o amadorismo, na verdade, a incompetência dessa articulação política. À qual se soma, até agora, é bom deixar claro, a inoperância da Abin para fornecer dados para o governo, a indisciplina da Polícia Federal, que vaza tudo o que é de interesse da oposição, ainda que sob segredo de justiça, e a ação canhestra do já defenestrado Traumann.
A única maneira de neutralizar o PMDB e retomar o programa do PT é voltar às bases. Fortalecer as ações dos movimentos sociais, revitalizar os sindicatos. Em uma palavra: comer poeira, suar no chão de fábrica, estar junto dos movimentos populares. Criar condições para construir uma bancada parlamentar forte que possa, então, junto com aliados politicamente mais consistentes, neutralizar o PMDB e os fisiológicos.
Em uma frase: voltar a conquistar o poder sem se deixar ser conquistado por este. Se o Syriza continuar nessa linha, merece ser observado com atenção. Mas o debate citado, e a própria experiência petista, mostram o quanto isso é difícil.
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