QUASE NOTAS ETNOGRÁFICAS DE UMA INTERNAÇÃO HOSPITAL

Em outubro do ano passado fiz uma angioplastia para tirar uma obstrução em uma artéria. Isso que fazem agora antes que se tenha um infarto. No Incor. Hospital de referência.

Tudo bem. Só que depois comecei a sentir uma dormência e umas fisgadas no local da punção. O clínico manda fazer uma ultrassonografia, dizendo que, como existem enervação por perto da artéria femural, pode haver uma irritação.

O médico do ultrassom termina e diz que estou “com um probleminha” que deve ser tratado imediatamente. É um tal de pseudo aneurisma na artéria femural, certamente intercorrência da angioplastia.

E me manda ir logo para o PS do Incor, com o exame e uma carta.

Ainda chego no PS esperançoso de que algum remedinho resolva o assunto.

Ledo engano.

De ontem para hoje, vou anotando essas observações.

Hospital.

A primeira coisa, óbvia, é que você está com algum problema o suficientemente sério para exigir uma hospitalização. Mas, cum grano salis… Aparentemente há meses estou com o que definiram como pseudo-aneurisma na artéria femural, aparentemente intercorrência comum em quem faz uma angioplastia. Andava, fazia exercícios, fazia amor, dirigia, bebia e fumava. Tudo normal. Ok, sei que aneurismas podem se romper subitamente. Mas você está no hospital, onde qualquer emergência é tratada na hora, e fica proibido de levantar para mijar. Cagar, então, só na “comadre”.

Aí é que a coisa pega. Ao ser internado, deixa-se de ser uma pessoa. Passa-se a ser um “paciente”. E paciente, no caso, significa ser tratado como objeto. A pessoa é manipulada, obedece ordens arbitrárias, é picado por agulhas, prendem sensores pelo corpo. Em uma enfermaria, o barulho é incessante, enlouquecedor. Os bipebipe das traquitanas, que não param nunca, a reclamação de outros impacientes pacientes, tudo contribui para a despersonalização.

As traquitanas de “monitorar” os pacientes são outra merda. Em tese, ligam um bando de eletrodos no peito para ver como o coração anda. Só que a porcaria apita por qualquer coisa insondável. A enfermeira diz que observa desde a mesa do posto. Bem, se monitora de lá, porque a porcaria fica apitando de cá? E quando apita forte, em tese sinalizando algum problema, aparece a enfermeira, aberta algum botão e o bipebipe para. Sem explicações. Uma das faixas aparece sem movimento. Como não estou morto, é óbvio que algum contato não funciona. A enfermeira chega, confere os eletrodos e comenta que “talvez os pelos do peito estejam atrapalhando o contato”. E não faz nada, claro. Cinco muitos depois o alarme, completa, total e irremediavelmente inútil dispara de novo. O Ponte Preta estava errado. Não é a televisão a máquina de fazer doidos, a verdadeira máquina de fazer doidos é o tal monitor de hospital, que faz coro com todos ou outros na enfermaria. Tecnologia é isso aí, Dr. House…

Depois de muita bipebipagem, a enfermeira decide fazer uma tricotomia para o eletrodo fixar melhor. No velho estilo de barbeador descartável, pois o barbeador elétrico está sem lâmina. Coisa alkimista….

Com a proliferação dos celulares, as conversas dos outros, em voz alta, revelam intimidades, medos, preocupações.

Passa a médica clínica. Reclamo do monitoramento inútil e o bom senso prevalece e ela manda me desligar. Ufa! Banheiro liberado.

A clínica avisa: quem vai decidir o que fazer é o “vascular”. Ou seja, algum médico da equipe de cirurgia vascular.

No meio da tarde chega o “vascular”. Pergunto pela demora e ele diz que só fora avisado horas antes. Quando informo que estou aqui desde a véspera, balança a cabeça.

É meu xará. Examina, pergunta e me diz que irá conversar com o chefe. Peço-lhe o favor de não me deixar mais um dia esperando.

Ele volta logo, e me diz que optaram pela tentativa de solucionar o problema de forma não invasiva. Fará uma bandagem de pressão sobre o tal pseudo aneurisma para ver se resolve. Só que tenho que ficar com a perna sem mexer (adeus banheiro) até sexta-feira.

E se não funcionar? Podemos tentar uma injeção de coagulante ou, no limite, dá-se um corte é um ponto no furo do pseudo aneurisma.

Resultado: fico aqui pelo menos até sexta, quiçá mais.

Vão me transferir para um quarto? Claro. Só que para hoje não tem vaga em quarto.

Bem, como estou tomando um monte de anticoagulantes por conta da angioplastia, tenho minhas dúvidas de que essa bandagem funcione. Veremos.

Acho que nem Dante imaginou uma merda dessas. E criada para seu “bem”.

Acho que sobreviverei ao bem e ao mal.

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