Um dos textos que li quando fazia o Mestrado em Antropologia Social no PPGAS da UFRJ foi o “Famílias Governamentais de Minas Gerais”, do Cid Rebelo Horta. O trabalho foi publicado em 1956 pela UFMG. Nele, Horta mostra como cerca de cinquenta famílias mineiras controlavam a vida política das alterosas – de modo completo na República Velha, mas com suas continuidades até hoje (os Neves de S. João Del Rey já estavam lá, assim como os Cunha de Teófilo Ottoni).
Mas lembrei do artigo por conta de uma piada que envolve umas dessas tradicionalíssimas famílias mineiras. Vamos dizer que seja a família A.A. Já deu governadores (de Minas, of course), ministros de Estado e do STF, parlamentares às pencas, embaixadores. Enfim, família digna do panteão do Cid Rebelo. Gente culta, sempre bem preparada. A piada diz que se você compra um A.A. pelo que vale (e vale muito) e vende pelo que eles pensam que vale… fez o melhor negócio do mundo. Milionário instantâneo.
A piada é base da minha teoria dos Egos Superfaturados.
Assim como existem obras importantes contratadas por X e que terminam custando XXX, o portador do Ego Superfaturado é alguém de sucesso em algum campo que exige habilidades específicas. O Ego Superfaturado se manifesta quando seu portador mete o bedelho em algo completamente fora da sua área.
Digamos que o indigitado seja jogador de futebol, cantor, ator – e suas versões femininas. Às vezes durante seus períodos de auge, às vezes quando já estão em decadência, os respectivos egos, superfaturados quando jogadores, atores ou cantores, se manifesta de forma espetacular. Geralmente cretina. E frequentemente falando sobre política. Claro, você poderia, em tese, ter um médico com Ego Superfaturado falando, digamos, de arquitetura. Mas, caso isso exista, é certamente raro. A patologia se revela com muito mais frequência naquelas três áreas nas quais a abundância de egos superfaturados é realmente espetacular!
Um Ego Superfaturado falando de política seria cômico, se não fosse patético.
É claro que, como cidadão, o portador do Ego Superfaturado pode falar o que quiser. Democracia é assim. O superfaturamento aparece precisamente quando pretende transferir o prestígio alcançado com suas habilidades e talento pessoais para outro campo, do qual na verdade não sabe bulhufas. E, o que é pior, geralmente o Superfaturado está querendo mesmo é aumentar seu status.
Vejamos só alguns exemplos recentes.
O Ronaldo, que sem dúvida foi um grande jogador (apesar de jamais ter explicado a tal convulsão e a exigência de ser escalado na final contra a França), passa anos como membro do comitê que organiza a Copa.
Aí, um belo dia, vai jantar com o Aécio, e ninguém sabe qual é o menu. Mas o resultado é, dias depois, o ex-defensor da Copa no Brasil se declarar “envergonhado”. Continua faturando nos anúncios e contratado pela TV Globo (desconfio que vai acabar meio na geladeira). Talvez queira ser ministro em uma eventual vitória tucana. E tasca seu Ego Superfaturado em uma das manifestações mais hipócritas que jamais foram feitas sobre o assunto.
O outro caso patético é o do cantor Ney Matogrosso. Na juventude, ficou famoso pelas atitudes ousadas, a voz em falsete se levantando como uma afirmação eloquente, embora não explicitada, do direito à diversidade sexual. Vai para Portugal e tem um ataque de Ego Superfaturado. Coitado!
O último caso é tão ridículo que serve mesmo de rodapé. Um tal de Latino diz que não vai cantar na Copa por ser “contra o PT”. Nesse caso há dúvidas se é realmente uma manifestação de Ego Superfaturado, já que o original não era exatamente um farol na música popular brasileira. Talvez seja o caso de um Sub-Ego Superfaturado. Imaginem que, se além das baixarias da abertura, ainda tivéssemos que ouvir o dito Latino! A J-Lo e a Cláudia Leitttttte (nem sei quantos “ts” esse egozinho superfaturado anda usando) pelo menos fazem bem para os olhos.
O Ego Superfaturado dá seus palpites políticos alegando que está “exercendo sua cidadania”. Mas, quando é criticado por outro cidadão, quem faz isso, segundo o Ego Superfaturado, está exercendo “patrulha ideológica”. Ora, cidadania se exerce, em última instância, no recesso da cabina de votação. Ali, todos os cidadãos são iguais, e cada cidadão vale um voto.
Mas, para o Ego Superfaturado, isso é insuportável. Ele sempre quer valer mais que os outros. Não suporta críticas. Fica ofendido e faz biquinho.
É triste. Mas só nos resta dizer aos portadores de egos superfaturados: não quer brincar, não desce pro play.
O divertido é que cada um pode fazer sua própria lista de egos superfaturados. Experimente. Compartilhe.
PS – O professor Cid Rebelo Horta acabou nome de avenida em BH. Foi um respeitado professor da UFMG e seu trabalho é pioneiro no estudo de genealogias como instrumento de análise política e social. A ironia é que a avenida foi batizada com seu nome em substituição ao nome de Irineu Marinho. Que vem a ser o pai do “jornalista” Roberto. Não sei se o prefeito Amintas de Barros, que sancionou a lei, entendia mesmo a ironia do seu ato. Pelo menos O Globo não é de BH. Ver em: https://www.leismunicipais.com.br/a/mg/b/belo-horizonte/lei-ordinaria/1962/94/945/lei-ordinaria-n-945-1962-passa-a-denominar-se-cid-rebelo-horta-a-rua-irineu-marinho-no-bairro-nova-suica-1962-11-23.html
Cumprimentos, Felipe.
Conheço a família Rebelo Horta, mas desconhecia o livro do Cid, que me interessa muito. Tentarei ter um exemplar.
É curioso eu ter morado em Beagá durante dois anos, em missão política junto a Tancredo e Aureliano, mas sem jamais ter alguma informação a respeito do livro (se tivesse, iria atrás), doqual tomo conhecimentosomenge agora por seu intermédio.
Obrigado e abraços,
Scarta
Scarta, nem chega a ser um livro. É mais um artigo extenso, mas muito interessante.
Um grande amigo me indicou o blog. Gostei demais e tomei a liberdade de postar nas redes sociais.
Um abraço.
Obrigado, Cristina.