CORRUPÇÃO: O MAL DE TODOS OS MALES OU TRAGÉDIA DO SISTEMA?

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Se não fosse patético, seria até cômica essa troca de acusações sobre corrupção que acontece dentro do âmbito político – não apenas nas campanhas eleitorais.

Mas, na verdade, é uma tragédia. Reflete uma profunda incompreensão da sociedade capitalista, em primeiro lugar. E é também um fator de despolitização das discussões políticas. Ao reduzir a maioria dos problemas do país a uma questão de corrupção, os problemas centrais são, na maioria das vezes, jogados a segundo plano. O debate, tal como é conduzido, despolitiza tudo e assume um plano simplesmente moralista.

Não, não se trata de “eu faço, mas eles fazem mais e são piores”. Nada disso. Felizmente o jocoso lema de “rouba mas faz” pode até ser aplicado na prática por alguns personagens, mas ninguém ousa dizer isso em voz alta.

Acho importante lembrar algo fundamental: a exacerbação da corrupção é um componente integrante do sistema capitalista. O ambiente de competição, de riqueza material a qualquer custo, de satisfação imediata geral sempre, de modo contínuo e em escala cada vez maior, produz tipos que procuram se aproveitar de qualquer brecha para enriquecer, e em escala industrial.

E isso está longe de acontecer apenas na esfera pública. Muito pelo contrário. Em primeiro lugar, porque se existem corruptos na administração pública isso acontece paralelamente à existência dos corruptores. E esses são os grandes ganhadores dessas paradas.

Mas a corrupção não existe apenas nas relações entre empresários e funcionários públicos. A espionagem industrial não passa de eufemismo para roubo. Os mecanismos de formação de trustes, que a Amazon está aplicando agora mesmo no mercado editorial/livreiro, não são mais que formas disfarçadas de jogo bruto e corrupto para dominar os mercados.

A sonegação, o “cafezinho pro guarda”, as espertezas que todos – uns mais, outros menos – aplicamos no dia a dia também não são mais que eufemismos para essa praga derivada do capitalismo, que é a corrupção. E atire a primeira pedra quem nunca pecou nisso, “esqueceu” de pedir a nota fiscal em troca de um desconto e tantas outras manifestações do mesmo tipo. Na verdade, toda infração às normas da convivência social que implica em alguma vantagem financeira ou monetária revela, desde o grau menor até os grandes, um espírito hipócrita derivado desse próprio sistema social. No final das contas, o desrespeito ao pacto social – ao contrário da luta pela modificação de aspectos desse pacto – é, de fato, uma manifestação do caráter profundamente corrupto da sociedade em que vivemos.

Infelizmente, isso também não é privilégio do capitalismo “puro”. Até hoje, para pesar dos que apostam um uma utopia social – nenhuma sociedade conseguiu se livrar da ganância e do desejo de posse de coisas materiais, que são mãe, pai, ascendentes e descendentes da corrupção nossa do dia-a-dia.

Quando esse moralismo assume o papel protagonista na política, a tragédia aumenta. A maioria absoluta da nossa população de hoje não viveu as décadas de 50 e 60, o auge do udenismo, a raiz do conservadorismo brasileiro. O udenismo, vejam bem, não nasceu conservador. Ao contrário, era uma reação de esquerda democrática contra o que o varguismo tinha de mais conservador, a união entre os latifundiários pessedistas e o peleguismo trabalhista (independentes das virtudes da legislação que o Vargas promoveu). Pois bem, quando Vargas volta, em 1950, com um giro modificado em sua postura, o udenismo passa a agredi-lo em tudo: monopólio do petróleo e criação da Petrobras, aumento do salário mínimo etc. Acha o veio da corrupção na entourage de Vargas, com seu irmão Bejo e Gregório Fortunato. E nessa ocasião o moralismo udenista encontrou no ex-comunista Carlos Lacerda (e é nele que penso cada vez que escuto o Roberto Freire) sua expressão oratória mais exacerbada, rasgou o que alguma vez tivera de progressista e se uniu aos militares para as soluções golpistas, que finalmente chegaram em 1964. E, lembrem-se, o moralismo foi um dos “pretextos” da milicada para justificar o golpe. Com o moralismo disfarçavam o repúdio à reforma agrária, ao aumento dos direitos sociais e o reconhecimento da legitimidade das reinvindicações e tudo mais que o governo reformista do Jango acenou fazer. O moralismo “legitimou” o retrocesso político, econômico e social do país por mais de vinte anos.

E é claro, ressurge quando se constata que os “guardiões da moralidade” eram tão ou mais corruptos que o governo democrático deposto.

De lá para cá, o moralismo, o discurso calcado simplesmente na anticorrupção, tem servido de guarda, na maioria das vezes, para a total despolitização. É o discurso que não quer saber das desigualdades sociais. O discurso que, ao enfrentar os problemas, não vê as soluções possíveis, e sim sempre “quanto vão roubar”, ou coisa semelhante.

Esse discurso moralista foi amplamente abrigado na Constituição de 1988, que contém algumas excrecências horrorosas. O afamado Tribunal de Contas da União foi criado para ser simplesmente um órgão auxiliar do Poder Legislativo, que tem – ou teria – como uma de suas tarefas fundamentais, precisamente a fiscalização dos outros dois poderes. Pois bem o que vemos é um TCU que saiu revestido de uma autonomia totalmente esdrúxula outorgada em 1988. “Ministros” vitalícios – e todos políticos “eleitos” pelas conveniências do legislativo, mandando mais que os próprios ministérios: faça isso, faça aquilo, pare essa obra. Uma distorção completa da tarefa de fiscalizar, transformada sem pé nem cabeça em autoridade reguladora.

O mesmo acontece com o aumento das atribuições do Ministério Público. De fiscal das leis, o que se vê é um bando de garotos recém saídos de faculdades feitas com o fito de “passar no concurso” para uma das carreiras mais bem pagas da administração pública, sem a menor experiência nem de vida nem jurídica, ditando regras para prefeitos e secretários que, intimidados, acabam obedecendo. Os prefeitos esquecem que foram eleitos e que têm que prestar contas, sim, mas não obedecer a ordens de quem não tem mandado para tal.

A outra consequência do moralismo prevalecente é o acúmulo de leis, regras e regulamentos supostamente destinados ao resguardo da moralidade das licitações dos órgãos públicos. A atual lei de licitações, a 6696, por mim sempre referida como a “lei da besta” (tem três algarismos seis no meio dela) exige sempre “o menor preço”. Resultados, entre outros: os truques dos aditamentos – porque uma obra de engenharia de grande porte sempre tem de fazer gastos imprevistos na sua execução, por mais tecnicamente planejada que seja; deficiências técnicas na execução de trabalhos complexos. Lembro sempre do trágico exemplo do incêndio da Capela Imperial na Urca. Ganha a licitação – pelo menor preço – uma empresa sem capacidade técnica, que deixava latas de thinner aberta junto da fiação precária. E deu no que deu.

Alguns amigos meus com experiência na administração pública comentam que o único modo do TCU e do Ministério Público não infernizar a vida deles é simplesmente não fazer nada. E, o que é pior, os “espertos” já sabem todos os caminhos para burlar uma legislação que se torna cada vez mais complexa, impossível de ser enfrentada por quem quer fazer as coisas de modo correto, mas totalmente dominada pelos espertalhões.

Evidentemente não se pode aceitar a corrupção, mesmo com a compreensão de que isso é parte intrínseca do sistema capitalista. Só resta, como medida de eficiência, ser o mais transparente possível.

E aí, meus amigos, a coisa complica.

O Governo Federal, nas administrações Lula e Dilma, criou ou aperfeiçoou ao máximo os mecanismos de transparência. O Portal da Transparência, a lei de Acesso à Informação, o aperfeiçoamento da Controladoria Geral  da União são os meios através dos quais, inclusive, se detectam todos os desvios acontecidos na administração pública. O que estava escondido, ficou evidente.

A hipocrisia assumida é dizer que “a corrupção aumentou”, quando, na verdade, tornou-se evidente. E passou a ser combatida.

Fiz uma pequena experiência. Entrei no site da CGU para saber quantos funcionários públicos foram demitidos desde 2002. Pois bem, de janeiro de 2003 a agosto de 2014, as expulsões punitivas de funcionários estatutários da administração federal somaram 4.979. É informação pública, no site da CGU, aqui  e aqui.

Quem conhece o mínimo de administração pública sabe o quanto é difícil demitir um funcionário. E com razão. A proteção aos servidores públicos é muito importante para impedir a manipulação política, a demissão por motivo político. A estabilidade dos servidores públicos é fundamental para que a burocracia cumpra seus deveres sem temer represálias por questões políticas. Para demitir alguém, é necessário instaurar um processo, no qual é exigido o contraditório e a apresentação de provas e contraprovas. E tudo isso pode ser discutido no judiciário. Demitir cinco mil funcionários pelo bem do serviço público é simplesmente uma façanha, que exige uma determinação enorme.

Pois bem, essa determinação não existia nos governos anteriores. As demissões ocorridas nos governos Collor e Fernando Henrique foram decorrentes exclusivamente do processo de privatização, foram contestadas na justiça e, em grande medida revistas posteriormente por ordem judicial.

E, ao mesmo tempo em que os mecanismos de transparência estão plenamente vigentes na administração pública federal, pode-se perguntar: os campões da moralidade tucana fazem a mesma coisa.

A resposta é um rotundo NÃO.

Os sites dos governos de São Paulo, Minas Gerais e Pará, administrados por governadores do PSDB, simplesmente não exibem esses dados. Pode ser por duas razões. Ou por terem os funcionários públicos absolutamente exemplares, irretocáveis, incorruptíveis – daí não resultando nenhuma demissão – ou por serem governos incompetentes e coniventes com a corrupção que inevitavelmente acontece – e em uma minoria, devo afirmar – no funcionalismo público.

Aqui estão os links dos “portais da transparência” (ou da opacidade, se quiserem), dos estados de S. Paulo aqui e aqui. Em Minas gerais, aqui e do Pará aqui.

E nem vou entrar na questão da Polícia Federal. Fico por aqui mesmo.

 

 

 

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