Coxinha e reaça não lêem jornal, só as manchetes

Uma das coisas que percebi com mais clareza nos últimos dias é essa: coxinha e reaça não lêem jornal, só as manchetes. E isso explica muitas coisas.

Sempre que falamos de manipulação das notícias por parte da grande imprensa, pensamos em duas coisas: editorialização das matérias e omissão de informações. A editorialização é, de fato, bem comum. Uma enorme cabeça de cera com a opinião do ilustre órgão abre as matérias antes que a notícia seja propriamente dada. A omissão, como o nome indica, também acontece com muita frequência.

A editorialização, no entanto, é muito rejeitada, até mesmo pelos jornalistas mais comprometidos com a linha editorial do respectivo jornal. E a omissão definitivamente pega mal.

Mas os donos e seus prepostos sabem muito bem como fazer. Não omitem. Colocam matérias pequenas, na parte de baixo das páginas internas, preferencialmente no meio de notícias bem segmentadas – carros, noticiário de preço de commodities, coisas assim. A notícia sobre a recessão e a diminuição do PIB da Alemanha foi assim. Mas saiu, e o Estadão não pode ser acusado de omissão. Isso, é claro, vale para os jornais noticiosos, como o Estadão e o Globo. A Folha só tem colunistas e palpiteiros em geral para atender a seus vários públicos e pouco se importa com o noticiário.

Mas existe um ponto em que mesmo os redatores perdem controle do que sai: os títulos, sempre colocados pelos editores e pelas chefias em geral. Aí que está o pulo do gato.

A maioria absoluta dos leitores só presta atenção nas manchetes. Não se dá ao trabalho de ler toda a matéria. E “forma” sua opinião a partir do que lê manchetado, especialmente na primeira página.

Aí a barra pesa mesmo.

Vejam bem, fiz um levantamento – bem precário, reconheço, ou melhor, nada científico, pois só em cima dos comentários a que tenho acesso -, sobre vários assuntos da atualidade política.

Um dos últimos foi sobre as duas recentes reuniões na ONU, a Cúpula do Clima e a Assembléia Geral, e todas focadas… nas manchetes dos jornalões sobre o assunto.

Sobre a Assembléia Geral, as manchetes foram praticamente unânimes, no sentido de dizer que a Presidenta Dilma aproveitou a oportunidade para “fazer propaganda” do seu governo. Como fez propaganda? Deu destaque para algo que é, sobre todos os aspectos, muito importante e reconfortador: a FAO declara que o país saiu do Mapa da Fome. Ninharia, dizem. O que importa foi que a Presidente… disse isso. Mas o que ela disse não saiu. Os argumentos para a não assinatura do tal acordo sobre as florestas foram solenemente ignorados. Só se manchetou o não, e o porquê estava lá no fundinho de algumas matérias.

Aqui está o trecho da entrevista que a Presidenta deu logo após a Assembléia.. A íntegra pode ser lida no www.planalto.gov.br onde também está reproduzido o discurso na Assembléia Geral.

Presidenta: Esperei vocês chegarem aqui, sei que não é fácil. Bom, vocês viram hoje o meu discurso da ONU, mas eu queria mostrar para vocês, eu trouxe aqui e vou pedir até para o Olímpio distribuir para vocês. O que eu trouxe? Eu trouxe o mapa que o pessoal da FAO me deu, que mostra… eu vou mostrar, o mapa da FAO é esse aqui. É o Brasil ficando, essa cor que tira o Brasil do mapa da fome, assim como Uruguai e Argentina – eu acho que eles já estavam fora -, e o Chile. O que é muito interessante. Aqui os países que estão em branco são aqueles que estão fora do mapa da fome, onde não tem subnutrição. E esse aqui é aqueles que atingiram o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio – ODM, que é a fome zero, esses são, esses dois, o mapa da fome. Eu vou distribuir, aqui tem mais esse complemento ainda, mas eu vou distribuir para vocês.

Jornalista: O verde então é quem faz…

Presidenta: O verde está aqui escrito: A prevalência de under… de subalimentados na população, percentual, e aqui na tabela eles mostram que os branquinhos são aqueles que saíram do mapa da fome. Os que não são branquinhos estão no mapa da fome.

Jornalista: A senhora destacou muito, presidente…

Presidenta: E outro é esse que é o desenvolvimento, o cumprimento do Desenvolvimento do Milênio, o objetivo, que é não-fome.

Jornalista: Nos países da Europa, até porque eles já não tinham esse problema. Por isso que eles estão branquinhos aí?

Presidenta: É, aqui é por isso. Mas aqui, de qualquer jeito, eu vou dar para vocês, eu só vou levar o meu, só vou levar o meu. Eu queria falar só sobre algumas coisas. Primeiro, ficou visível uma questão que eu queria deixar claro, o que acontece. Naquela declaração apresentada por alguns países, não foi apresentada pela ONU, não é uma declaração da ONU sobre florestas. Foi apresentada por três países: Alemanha, Reino Unido e Noruega, algumas ONGs e empresas internacionais, empresas privadas internacionais.
Por que é que o Brasil se recusou a assinar? Primeiro, porque não nos consultaram. Somos um país com uma grande quantidade de florestas que temos, reconhecidamente, do ponto de vista internacional, a melhor política de [contra] redução de florestas. Nunca nos consultaram. Um dos assessores disse que não nos acharam, coisa um pouco difícil dado o tamanho do país. Além disso, além de não terem nos consultado, tem uma segunda questão: eles propõem algo que é contra a lei brasileira. A lei brasileira permite que nós façamos o manejo florestal. Muitas pessoas vivem do manejo florestal que é o desmatamento legal sem danos ao meio ambiente. É o fato que nas beiras, principalmente nas populações tradicionais, você pode ter o manejo florestal. Então, também pelo fato de que contraria e se contrapõe à nossa legislação.

Outra manchete escandalosa, comentada e vilipendiada foi a versão da entrevista coletiva que a Presidenta deu após a Assembléia Geral, especialmente sobre a atual fase do conflito no Oriente Médio.. O PIG destaca que a Dilma “defende o diálogo” com o tal de califado islâmico. Eu me pergunto: quantas pessoas passaram para além da manchete e leram o que a Presidenta falou. Ou, pior ainda, quantos jornais publicaram na íntegra a resposta? Podem ir atrás. Nenhum publicou toda a resposta. Só a versão que editaram ao seu bel prazer.

Pois bem, aqui está:

Jornalista: Presidente, é possível negociar com o Estado Islâmico, desafiando o Iraque? Esse é o ponto que o presidente Barack Obama (incompreensível) não é possível negociar…

Presidenta: Gente, vocês acreditam que bombardear o ISIS resolve o problema? Porque se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque. E o que se tem visto no Iraque é a paralisia. Isso não sou eu que estou dizendo, é só vocês lerem o New York Times de ontem. O que o New York Times disse: que houve uma estagnação. Por quê? O ISIS tem apoio de comunidades sunitas. Então, o que se tem de olhar é, de fato, a raiz desse problema. Vocês sabem aquele negócio, quando você destampa a caixa e sai todos os demônios? Os demônios estão soltos, todos. Não vamos esquecer o que ocorreu no Iraque: houve uma dissolução do Estado iraquiano, uma dissolução. Então, hoje, a gente querer simplesmente bombardear o ISIS, dizer que você resolve porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz. Por que você quer bombardear? Por quê? Por que alguém internamente quer que você bombardeie? Você vai bombardear para quê? Para garantir a paz?

Jornalista: Presidente, na invasão do Iraque, originalmente, o Conselho de Segurança da ONU votou contra a invasão do Iraque, e ainda assim os Estados Unidos liberaram esse movimento de invasão do Iraque. Qual a esperança que a senhora tem? E depois disso nada aconteceu e ficou por isso mesmo… Ser possível modificar essa organização, que foi totalmente inefetiva, que não conseguiu barrar uma invasão do Iraque, como era a maioria da intenção dos países aqui representados. E depois disso nada aconteceu. Que representatividade ela tem, e como é possível mudar essa representação?

Presidenta: Olha, eu acho que primeiro a gente sempre tem de ter esperança. Eu tenho esperança que mude. E o meu papel, como representante de uma nação do porte do Brasil, que é uma nação reconhecidamente pró-paz, que nunca atacou, nunca teve uma ação ilegal nessa área, é minha obrigação defender que isto não se repita. Que não se faça ações fora do âmbito da legalidade da ONU. Primeiro porque, como você mesmo disse, está claro que a invasão do Iraque não resultou na paz no Iraque. Está… é, assim, os fatos gritam, então é uma discussão que eu não vou travar aqui, se resultou ou não, está na cara que não resultou. Não resultou, tanto é que hoje bombardeiam o Iraque, hoje há, Inclusive, esse produto, esse subproduto da invasão chamado ISIS.

 Mas, evidentemente, as sutilezas da posição diplomática brasileira – que envolvem a Palestina e a agressão israelense – e têm como pano de fundo o boicote que os EUA fizeram à iniciativa do Brasil e da Turquia de promover um acordo que simplesmente avançava mais que o que atualmente está sendo alegremente negociado.

Mas coxinha e reaça não gostam de sutilezas.

E é aí que entra o papel manipulador e reacionário do PIG: DISTORCE NA MANCHETE. Como os idiotas só lêem a manchete, está criado o clima.

Precisa mais que esses últimos exemplos?

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