Índio rábula dá quinau na puliça

Taí um personagem que gostaria de conhecer, esse Alderi. Pelo que o Bessa descreve, o papo jurisdiquês do caboclo é poderoso. Ainda bem que os puliça que enfrentou lá em Pauiní não apelaram para a ultima ratio da jurisprudência militar, conhecida por vários apelidos, como cassetete (do franchute casse tête – quebra cabeça – literal), gás de pimenta, bala de borracha, etc. Sem esses apelos, o Alderi ganha todas.

Mas vamos à história, mais uma crônica do contador de histórias (mas não loroteiro) José Bessa, arauto do Beco da Bosta do bairro da Aparecida de Manaus, mas atualmente morando nas terras de Araribóia.

indio advogado

 

O APURINÃ QUE DÁ BOLO EM DESEMBARGADOR
José Ribamar Bessa Freire
31/05/2015 – Diário do Amazonas

apurina Essa 1(1)(1)Parecia até coqueluche. Com dor de ouvido e uma tosse seca de macaco-guariba, o índio apurinã Alderi Francisco da Silva, hoje com 38 anos, morador da Aldeia Nova Esperança, na Terra Indígena de Água Preta, procurou o Posto de Saúde, na cidadezinha de Pauini, no rio Purus (AM). Lá, a doutora Cíntia, depois de auscultá-lo com o estetoscópio, junto com remédio deu-lhe um “puxão de orelha”:

– Escuta bem, meu filho, ninguém entra num posto médico assim, só de calção. Aqui não é casa da sogra. Respeito é bom e eu gosto. Na próxima vez, só atendo se vier decente, com camisa.

A resposta veio intercalada por fingido acesso de tosse:

– Doutora, se eu entrar aqui peladão, a senhora é obrigada a me atender, porque andar nu é costume tradicional dos Apurinã. Foi assim que nasci, nuzinho, no meio da floresta.

– Negativo. Eu também nasci nua. Mas nem por isso tiro a roupa para atender meus pacientes.

– Não tira porque não quer. Pode tirar que eu não me importo. Numa boa. Não reclamo, embora a lei que me protege não ampare a senhora. O artigo 231 da Constituição brasileira de 1988 garante que eu posso manter meus “costumes, línguas, crenças e tradições”. A lei me permite ficar nu. Engraçado! A senhora, que não pode reclamar de minha nudez, reclama. E eu, que posso reclamar da sua, nem reclamo.

Se a conversa durasse um pouco mais, a médica acabaria convencida de que precisava se despir, pelo menos, dos seus preconceitos. Alderi conhece a Constituição de trás pra frente Aos seis anos de idade, já lia jornal, ajudado pelo caboco Cosme, casado com sua tia. Depois, fez o curso de formação de professores indígenas, organizado pela Comissão Pró-Indio, do Acre, onde estudou com professores das melhores universidades públicas brasileiras. Foi nos intervalos das aulas, que fiquei ouvindo suas histórias,

ÉGUA, RAPAZ!

Tem gente que nasce músico, pintor ou poeta. Alderi nasceu advogado. Na verdade, não nasceu. Foi parido por força de um ´habeas-corpus´. Daí vem, com certeza, esse dom que tem para se movimentar no mundo das leis.

– Não sei o que acontece comigo. Basta ler uma vez – uma só – e a lei fica dormindo aqui dentro da minha cabeça. Aí, quando eu preciso, ela desperta – ele diz. alunos-indios-divulgacao

Com memória prodigiosa e a capacidade de usar e interpretar leis, Alderi se tornou porta-voz dos professores indígenas, que estavam numa situação irregular: não pertenciam ao quadro permanente de professores do município de Pauini e recebiam uma merreca de salário, 110 reais, sempre atrasado. Em nome de seus colegas, procurou o então secretário municipal de educação, de nome Dalmir:

– Secretário, o município tem de contratar professores com salário decente.

– Não tem vaga pra índio prevista na dotação orçamentária.

– Não leve a mal, secretário, mas o poder público é obrigado a proteger as manifestações das culturas indígenas. Tá lá, no artigo 215 da Constituição. Combine isso com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB, que garante aos índios a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural em seus artigos 78 e 79. Se não contrata os professores, o senhor transgride as leis, quem viola as leis é criminoso. E lugar de criminoso é na cadeia.

– Êpa, rapaz, olha como fala! Deixe de ser abusado. Demito vocês todos.

– Secretário, quem nunca entrou, não pode sair. Para demitir, é preciso primeiro nos contratar.

– Então, contrato, só pra poder demitir, por justa causa, por abandono de emprego. Nenhum professor indígena quer trabalhar, só quer receber. Eu mesmo fui várias vezes lá na aldeia supervisionar as escolas e não encontrei ninguém na sala de aula. Vocês não estão cumprindo o calendário escolar. Como é que eu vou criar vaga de professor indígena, se vocês não dão aula?

– Acontece que a gente tem calendário próprio, diferente do seu. Não havia ninguém na escola, porque a aula era de pescar, caçar e conhecer as plantinhas. Tem rio dentro da sala de aula, por acaso? Tem floresta dentro da escola? Tem paca, tatu, cotia? A Constituição, no art. 215, reconhece nossos conhecimentos tradicionais e nossa forma própria de aprender. A Resolução nº 3/99 do Conselho Nacional de Educação diz que a gente pode fazer isso. A lei nos protege.

O secretário, sem argumento, na base do “quem manda aqui sou eu”, ameaçou Alderi, que deu o troco, dizendo que denunciaria o fato ao doutor Kleber Gesteira Matos da Coordenação Geral de Educação Indígena, do MEC, em Brasília.

– O Ministério Público Federal vai mandar cortar o FUNDEF de Pauini – disse.

Pálido, com medo de ter seu fundef decepado, o secretário recuou:

– Égua, rapaz! Não sabe nem brincar! Eu tava só te testando.

A reivindicação foi, finalmente, atendida.

CADÊ A LEI?

dicionário-apurinã-640x880A notícia sobre o domínio da palavra e o poder argumentativo de Alderi começou a se espalhar pelas aldeias do rio Purus. Num domingo ensolarado, a polícia prendeu seis índios que haviam tomado um porre e andaram fazendo umas presepadas pelas ruas de Pauini. A família deles só conseguiu encontrar Alderi na terça-feira. Ele foi à delegacia:

– Sargento Peninha, o senhor é autoridade, tem identidade, mas eu também. Me ouça.

– Então fale rápido, que meu tempo é pouco.

– Vim aqui libertar meus parentes da cadeia.

– É rúim, einh! É mais fácil você ficar do que eles saírem. Foram presos porque estavam bêbados.

– Então, sargento, se o motivo foi esse, pode soltar, porque agora eles não estão mais bêbados. Acabou o motivo que deu origem à prisão.

– Rapaz, você tá gozando com a minha cara, é? Você sabe muito bem que a lei proíbe vender bebida pra índio.

Foi aí que Alderi deu o xeque-mate:

– Então, desculpe, mas o sargento prendeu as pessoas erradas. Tinha que prender os comerciantes que venderam e não os índios que compraram. Nenhuma lei proíbe índio de comprar. Se tiver essa lei, me diga qual é o artigo e em que código está.

– Olha, vai embora, antes que eu te prenda.

– Tudo bem! Pode me prender. Mas eu quero que o senhor me dê isso tudo por escrito, num documento assinado embaixo: Sargento Peninha. O Ministério Público Federal vai processar o senhor.

Fez-se um silêncio eterno

– E aí, sargento, o senhor vai ou não vai me dar o documento?

O sargento Peninha, com cara de égua, respondeu com raiva:

– Vou soltar agora. Mas quem vai assinar o papel é você, seu índio atrevido, um termo de responsabilidade. Você sabe o que é isso? Se eles voltarem a fazer arruaça, quem vai preso é você.

PORTA DE XADREZ

Alderi saiu da cadeia, triunfante, acompanhado pelos seis índios. Foi sua consagração, como advogado de porta de xadrez. Depois disso, seus serviços advocatícios de rábula começaram a ser requisitados também por não-índios. O seringueiro Zezinho, de origem cearense, estava mofando na prisão, acusado de haver estuprado uma índia. Implorou:

– Chamem o Alderi.

Dessa vez, o duelo verbal foi com o tenente Miguel, da PM do Amazonas.

– Tenente, apresento meus respeitos e digo que vim soltar o Zezinho.

– Não quero conversa. Ele é um estuprador e vai apodrecer aqui.

– Ele não estuprou ninguém. É homem sério, trabalhador, sem antecedentes. Deu apenas um empurrão na índia. Tem testemunha.

– Olha, Alderi, não te mete. Ele é branco, você não tem nada a ver com isso.

– Aí é que o senhor se engana, tenente! O senhor é autoridade no âmbito da lei estadual e da lei orgânica municipal. Mas nós somos regidos pelo Estatuto do Índio, a Lei 6001, de 19 de dezembro de 1973, que é federal. O Zezinho trabalha pra gente, como agente florestal, dentro da reserva, sob nossa responsabilidade. Pra prender ele, o senhor invadiu área indígena, o que só poderia ser feito pela Polícia Federal, com ordem de um juiz federal. A prisão é ilegal.

Os argumentos nocautearam o tenente. Sem poder revidar, ele soltou o seringueiro, na hora, depois de perguntar dele, na frente de todo mundo, por precaução:

– Te bati? Te torturei? Não. Então, vai embora.

Mas o Zezinho disse que não ia, porque não podia deixar na delegacia uma espingarda dos Apurinã, calibre 16, que havia sido aprendida com ele. O tenente foi inflexível:

– Não. De jeito nenhum. A arma fica aqui.

Alderi teve de gastar mais saliva:

– Tenente, cadê o boletim de ocorrência?

– Não foi feito.

– Então, não existe registro de apreensão da arma. Se ela legalmente não foi apreendida, ninguém pode me impedir de levar prá aldeia o que pertence à minha comunidade.

– É. Mas eu ainda posso fazer o registro.

– Tenente, o senhor é inteligente, sabe que se registrar, estará confessando por escrito o crime de confiscar um patrimônio indígena. A espingarda é de toda comunidade, serve pra caçar, ajuda nossa sobrevivência. O Ministério Público Federal não vai gostar nadinha disso.

Alderi, com Zezinho ao lado e a espingarda a tiracolo, desfilou como herói entre os 19.299 habitantes de Pauini, o quarto município mais miserável do Brasil, segundo o mapa da fome desenhado no final do ano passado pela Fundação Getúlio Vargas. Suas histórias lembram muito as do Pedro Malasartes, figura do conto popular, inteligente, astucioso, invencível na sua luta contra os poderosos, os avarentos, os ricos, os vaidosos.

Por onde andará Alderi? Nunca mais o vi, não sei se chegou a fazer o curso de direito. Aprendendo o latinorum, ele passaria a perna em muito juiz, daria bolo em desembargador e botaria, data venia, in orificio inimicorum indianorum.

P.S. Publicado originalmente em 29/02/2004 com o título O JURISTA DESCAMISADO DE PAUINI. O texto revisado e atualizado é agora republicado com modificações.

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Maria Valéria Rezende e o último livro da Maria José Silveira.

Não resisti.

É tão simpático o comentário que a Maria Valéria faz do último livro da Maria José, que resolvi publicá-lo aqui também.

 

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Para completar, reproduzo outro chamamento da Maria Valéria.
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O NARRADOR-PIADISTA QUE CURTE OUTRO NARRADOR-PIADISTA (E FILÓSOFO)

Quem conhece meu amigo José Bessa sabe que, entre outras virtudes, ele é um narrador e um piadista de mão cheia.

Uma vez, quando morávamos em Lima (eu, Maria José e Bessa exilados), recebemos a visita de um mexicano enviado pelo Darcy Ribeiro para comprar livros. Putz! O cara chegava com grana para comprar livros! Era para uma das tantas bibliotecas que o Darcy espalhou pela América Latina. Dessa vez, era uma na Cidade do México.

E o Darcy pedia que o acompanhássemos pelas livrarias de Lima.

Foi uma delícia.

É claro que, depois, convidamos o mexicano (droga de memória, nem lembro mais o nome dele) para almoçar em casa.

Foi um dos dias mais divertidos que passamos em Lima.

O mexicano TAMBÉM era um grande narrrador e piadista. E foi fantástico. Ele e o Bessa se alterando em contar causos e piadas.

Bem, dessa vez o Bessa desencavou um desses livros que nos caem milagrosamente nas mãos. No caso, nas dele. Um livro sobre programas de rádio que Walter Benjamim fez quado ainda morava em Berlim. Uma Berlim ainda não ocupada pela barbárie…

Vejam só.

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WALTER BENJAMIN E AS CRIANÇAS NA ERA DO RÁDIO
José Ribamar Bessa Freire
24/05/2015 – Diário do Amazonas

No momento em que a rádio nascia, no final dos anos 1920, uma emissora alemã convidou o filósofo marxista Walter Benjamin (1892-1940), de origem judaica, para fazer um programa dirigido a crianças.

Durante quatro anos, ele produziu 86 emissões com periodicidade variada, cujas gravações ficaram esquecidas até 1985, quando só então, depois de transcritas, foram publicadas na Alemanha. Agora, saiu em português “A hora das crianças. Narrativas radiofônicas de Walter Benjamin”. Bebi o livro de uma só talagada e quero compartilhá-lo aqui com o leitor do Diário do Amazonas.

WB radio
O que foi que Walter Benjamin, um intelectual refinado, falou para as crianças? Tudo. Ele acredita na inteligência delas. Apostou que é possível conversar com o ouvinte mirim – a quem trata com muito respeito – sobre todo e qualquer assunto: arte, técnica, política, cultura, língua, história, memória, teatro, literatura, narrativa, arquitetura, urbanismo, o mundo do trabalho e o universo infantil, livros e até mesmo brinquedos, como esclarece na apresentação Rita Ribes, responsável pela edição e coordenadora do Grupo de Pesquisa Infância e Cultura Contemporânea da Faculdade de Educação da UERJ.
A interlocução respeitosa com as crianças permitiu Benjamin dialogar com elas, sem apelar para o excesso de didatismo e sem “infantilizá-las”. No entanto, como não está falando para a academia, tem sempre o cuidado de explicar alguns termos que usa, como no texto “O dialeto berlinense”, onde depois de anunciar em tom coloquial – “Bom, hoje quero conversar com vocês sobre o jeito de falar dos berlinenses” – define dialeto como “a língua que se fala em determinadas cidades ou regiões”.
O autor busca nas ciências da linguagem a reflexão sobre dialetologia e a distinção entre língua falada e língua escrita, mas se adianta à sua época, quando mostra para as crianças a importância da diversidade como marca da língua e quando reconhece o valor das falas populares, atribuindo-lhes características próprias de comunidades discursivas, o que é hoje um dos pontos cruciais da sociolinguística:
– “O berlinês é uma língua que vem do universo do trabalho, não nasceu com os escritores e os eruditos, mas sim no alojamento do quartel, na mesa de carteado, no ônibus, na casa de penhores, no estádio esportivo e na fábrica”.
Os xingamentos
wb caderneta bnp 1Benjamin, que era um “rato de biblioteca”, deixa a sala de leitura e sai em campo. Flana pelos bairros, estádios, bares, feiras e mercados, escuta e registra a fala poética e bem humorada da rua. Reproduz trechos deliciosos de discursos dos vendedores ambulantes, do vassoureiro, do aprendiz de sapateiro, do camelô que vende prendedor de gravata, dos feirantes. Observa “as pechinchas e o toma-la-dá-cá das mercadorias e do dinheiro” nos mercados e feiras, lugares privilegiados de situação comunicativa pela natureza dos intercâmbios e pela concorrência dos diferentes agentes sociais:
– “A feira é um dos melhores lugares para se apurar os ouvidos e perceber o modo de falar berlinense” – ele diz, mostrando que “provocar as feirantes para ouvir seus xingamentos havia se tornado uma autêntica prática esportiva”.
Num dos programas, ele rememora e documenta para as crianças algumas formas de comércio de sua infância que desapareceram, como as carroças de areia que passavam em 1900 pelas ruas de Berlim com o pregão do vendedor que gritava: “Oooo-lháreia! Reia branca!” e que era usada pelas donas de casa para esfregar e limpar o assoalho e arear as panelas.
Enquanto ainda hoje certos dinossauros da Academia Brasileira de Letras e até mesmo de alguns cursos universitários discriminam o português falado pelas camadas populares como “errado” e tratam a norma padrão como a única “forma correta”, Benjamin não só faz a apologia da diversidade linguística, mas a assume como um patrimônio cultural a ser preservado. Com fina ironia, ele indica às crianças o que devem observar:
– “O comércio de rua de Berlim é a escola superior do dialeto berlinense, a verdadeira Academia de Retórica de Berlim”.
Nascido e criado em Berlim, o autor lembra em outro programa o teatro de marionetes que curtiu em sua infância. Destaca a capacidade crítica dos bonecos e discute o trabalho relevante dos grandes bonequeiros, em diálogo permanente com outras expressões culturais como o teatro, a música, a literatura. Os bonequeiros – ele diz – vivem exclusivamente e apaixonadamente para seus bonecos, todo o resto lhes é indiferente, por isso “chegam até uma idade avançada”.
As diabruras
wb escrita filhAdultos conservadores condenam Benjamin por acharem que ele incentiva a transgressão das crianças, como na emissão “A Berlim demoníaca”, na qual o autor confessa que, de noite, quando era menino, lia escondido livros proibidos por seus pais, escritos por Hoffmann, autor de uma produção literária ousada, que articula o fantástico ao cotidiano e onde o próprio capiroto é um dos personagens centrais das narrativas encantadas. “Nem o próprio diabo seria capaz de escrever coisas tão demoníacas” – diz Benjamin – e tão atraentes, eu acrescento. Mas ele contemporiza, aliviado, chamando a atenção para a tolerância que veio com a era do rádio:
– “Hoje em dia isso mudou, há cada vez mais pais que não proíbem seus filhos de ler Hoffmann”.
As brincadeiras são apresentadas como um patrimônio digno de memória nas crônicas “Um menino nas ruas de Berlim” e “Passeios pelos brinquedos de Berlim”. Lá Benjamin registra as diabruras dos moleques que testemunhou em sua infância. Eles penduravam um osso com um pouco de carne na campainha das casas, de forma que cada cachorro que passava pulava e tocava a campainha. Ou amarravam um fio de uma ponta à outra da calçada, derrubando os frequentadores que à noite saíam cambaleantes dos bares.
Não é perigoso divulgar isso em programas destinados às crianças? Benjamin receia receber uma chuva de cartas perguntando: “O senhor enlouqueceu ou o quê?”. Aproveita para antecipar sua resposta:
– “As crianças querem evidentemente conhecer tudo. E se os adultos só mostram a elas o lado bem comportado e correto da vida, elas logo vão querer conhecer o outro lado por si mesmas. Além disso, ninguém nunca ouviu falar de crianças que tenham se tornado malcriadas por causa de Max e Moritz e tenham, por exemplo, colocado pólvora no cachimbo do professor”.
Max e Mortiz formavam uma dupla de capetinhas das histórias em quadrinhos que foram traduzidas no Brasil por Olavo Bilac, como informa uma nota de rodapé feita pelos editores do livro. Aqui eles foram batizados como Juca e Chico. Tais personagens evidenciam a vigência dessa memória e nos fazem refletir até que ponto essas travessuras são universais e povoam a infância de todos nós.
No texto “O Narrador” (1936), Benjamin lamenta o fato de que é cada vez mais raro encontrar pessoas que saibam narrar, que sejam capazes de contar histórias e, com elas, trocar experiências. Decreta assim a morte da narrativa. Mas quem “ouve” as histórias escritas por Benjamin relativiza sua conclusão, porque ele próprio, um puta narrador, é um exemplo de que a narrativa está viva e se infiltra nas novas tecnologias da época, como a rádio usada, como queria Roquete Pinto, com finalidade educativa no sentido mais profundo do termo.

P.S. “A hora das crianças. Narrativas radiofônicas de Walter Benjamin” (Rio, Nau Editora, 2015, 289 pgs). Tradução de Aldo Medeiros. A FAPERJ, que acreditou no projeto editorial, está de parabéns.

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PESQUISA HISTÓRICA E PSICOGRÁFICA E ANÁLISE GESTALT PICTÓRICA PROVAM: KÁTIA ABREU É CONDESSA.

O Bessa, emérito historiador,  não descansa.

Em sua infatigável labuta por colocar no seu devido lugar os fatos históricos e sempre em busca de restaurar o sadios princípios da monarquia, fez mais uma descoberta, digamos assim, seminal:

KÁTIA ABREU UM DIA JÁ FOI CONDESSA.

Mas, passemos à palavra ao nosso especialista que, neste post revela mais uma de suas especialidades: analista de fotos de moda.

Imbatível

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cond 1 katiaTemos três provas contundentes de que a senadora Kátia Abreu (PMDB, vixe, vixe), atual ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, já ostentou o título nobiliárquico de condessa. A primeira prova é indireta e se baseia numa tese de doutorado defendida na última terça-feira no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNI-RIO. A segunda, embora não científica, mas digna de crédito, é uma carta psicografada com mensagem de alguém que morreu em 1882. A terceira, avassaladora, é uma foto analisada por quem entende do riscado.
Tese: memória de libertos
Defendida por Isabela Castro, a tese conta a história de um território dos índios Puri, no Vale do Paraíba do Sul (RJ), usurpado no séc. XVII para dar origem à Fazenda Cantagalo, produtora de café. Sua proprietária no século XIX era uma viúva, sem filhos, chamada Mariana Claudina Pereira de Carvalho, condessa do Rio Novo. No auge da luta abolicionista no Brasil, ela convocou seus 244 escravos e leu o seu testamento. O documento, cujo original está hoje no Museu da Justiça do Rio de Janeiro, determinava que se os escravos trabalhassem direitinho enquanto ela vivesse, seriam após sua morte alforriados e herdariam a terra.

O testamento foi uma esperteza, uma jogada de mestre, cujo objetivo era “produzir fidelidades” e assim neutralizar tentativas de rebelião ou fuga, instituindo “o bom cativeiro”. Tratava-se de uma estratégia bem sucedida para garantir “a paz na senzala”. Quando a condessa bateu as botas, em Londres, em 5 de julho de 1882, seus 244 escravos se tornaram livres. E o que aconteceu com a fazenda e tudo que nela havia: 500.000 pés de café plantados em 53.240 hectares, máquinas, serrarias, terreiros cimentados e outras benfeitorias?

O documento estabelecia um prazo de 50 anos para que os libertos se tornassem efetivamente os proprietários daquela terra cobiçada pelos vampiros locais. Enquanto isso, a fazenda deveria ser transformada em Colônia Agrícola administrada pela Irmandade Nossa Senhora da Piedade mediante o “sistema de parceria”, ou seja, durante esse tempo metade do café produzido pertencia à Irmandade, o que seria fiscalizado pelo juiz de direito e pelo presidente da Câmara Municipal.

cond 2 testamentoDesta forma, para serem os donos definitivos da terra os libertos teriam de trabalhar meio século recebendo apenas a metade do valor do café que era todo comercializado pela Irmandade. Acontece que nem isso os administradores pagavam. Diante do protesto dos ex-escravos, apresentados como “falsos proprietários”, os jornais locais desencadearam campanha, denunciando “a insubordinação dos colonos e sua ousadia”, como fez O Provinciano, acusando-os de não entregarem todo o café produzido e de serem refinados ladrões.

No entanto, em 1884, o insuspeito Boletim da Sociedade Central de Imigração, em seu número 3, desmente o jornal, descrevendo a vida quase utópica na comunidade:
“Não se queixa a administração da Colônia Nossa Senhora da Piedade de que um único dos libertos haja sonegado sequer, quanto mais roubado, um grão de café que eles colhem. Não se queixam os próprios libertos uns dos outros da subtração de objetos de seu uso, de seu cultivo. Não se queixa nenhum vizinho nem ninguém da povoação, quer habitante fixo, quer viajante, de que os libertos tenham retirado objetos alheios”.

Carta ao Imperador
A tese de Isabel Castro recupera esse e outros documentos da memória subterrânea, incluindo uma carta conservada no Instituto Histórico (IHGB) dirigida a S.M. o Imperador e ao ministro da Justiça, contestando o jornal:

O Provinciano, afetando isenção de quem nada tem com o negócio, reclama providencias contra os colonos da Fazenda Cantagalo, ex-escravos da Condessa do Rio Novo, que no dizer daquela folha, já por duas vezes tem aparecido nesta cidade em massa turbulenta, ameaçando a tranquilidade publica. Aqui no município a ninguém enganou as manobras daquele jornal que tem como seu principal redator ou inspirador o individuo que, por suas malversações na gerência da colônia, tem dado causa, não a atos de turbulência, como adrede se quer inculcar, mas às reclamações enérgicas, porem pacificas, dos ex-escravos”.

Os administradores da Colônia que faziam parte da elite local se apropriavam em benefício próprio do patrimônio dos ex-escravos:

“Dos livros da Irmandade não constam que se lhes tenha dado a parte dos lucros da fazenda que lhes pertence. O dinheiro do café de há muito nutrem as roletas desta cidade. A voracidade do administrador da colônia é enorme, mais feroz que a jiboia, aquele estomago nunca conhece os trabalhos de digestão. Os pobres pretos não tem recebido o seu dinheiro” e fazem “reclamações pacificas, justamente indignados contra a atrevida espoliação”.

A carta elabora uma crítica às instâncias de poder que agem em interesse próprio e não em defesa da causa pública: “O Provinciano obedece ao pensamento, ao plano dos redatores, os mesmíssimos interessados em abafar a voz das vítimas”. Quanto ao Juiz de Direito, o Imperador é notificado de que “aquele magistrado é cúmplice em tudo isso, pela inércia com que se recusa a cumprir o dever que lhe impõe a lei, de fiscalizar a Irmandade e fazer cumprir as disposições testamentárias”.

Os descendentes dos escravos, liderados por Dona Ambrozina de Lima Bastos, para garantir as terras que legalmente eram suas, entraram em 1940 com uma ação de usucapião, que só foi concluída em 1950, quando muitas parcelas já haviam sido aforadas e vendidas pela Irmandade. Parte da Colônia, já integrada à zona urbana no bairro Colônia, se transformou num palco de especulação imobiliária, com a cumplicidade da Câmara Municipal, que a considerou “terra de ninguém”, justificativa sempre usada para apropriações ilícitas, em que “ninguém” é uma referência a quem está por baixo, cuja cidadania é negada.

O Brasil no bairro
A área é hoje o bairro Vila Isabel do município de Três Rios, denominação ironicamente dada em homenagem à Princesa Isabel numa disputa pela memória. Mas a cidade não permitiu que a estátua da “Mãe Preta”, em homenagem às amas de leite que amamentaram os sinhozinhos, fosse colocada na frente da igreja de Santa Luzia, nem no bairro Caixa D´Agua. Depois de muita rejeição, foi enfim instalada pelos descendentes dos libertos num cruzamento perigoso da Praça Ambrozina Bastos para não deixar embranquecer a memória.

cond 3 mae preta
E a ministra Kátia Abreu, onde é que entra nessa história? Ela está lá, dentro deste bairro, dentro do território narrado, onde cabe o Brasil inteiro. Está tudo lá dentro: os índios espoliados, os negros explorados, os séculos de escravidão, a usurpação de terras, a cumplicidade dos aparelhos ideológicos e repressivos de Estado: as trapaças do juiz, as armações dos vereadores, as mentiras dos jornais, o esquecimento da escola, a doutrinação das igrejas, mas também a resistência, as lutas sociais e as expressões de cultura popular: as festas, a música, o jongo, a ginga, o futebol.

Neste sentido, a tese da historiadora Isabel Castro é uma radiografia do Brasil, com o registro dos mecanismos de disputa da memória. Além dos documentos orais obtidos em entrevistas com onze descendentes dos escravos, a autora vasculhou arquivos e encontrou documentação em atas da Câmara Municipal de Paraíba do Sul e de Três Rios, nos jornais, nos documentos cartoriais, embora papéis referentes à administração fraudulenta da Colônia Agrícola tenham sido queimados em um incêndio de origem criminosa que destruiu a Casa de Caridade em 1955.

É verdade que Kátia Abreu sequer é mencionada na tese, mas ela está lá na pele da condessa e na sua metodologia de ação, assim como é possível ver nos documentos os Gilmar Mendes e Dias Toffoli, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, Roberto Marinho e Julio de Mesquita, enfim toda a caterva da época.

Para quem ainda duvida, trago do acervo da minha imaginação uma carta psicografada com mensagem da própria Condessa do Rio Novo, informando que ela reencarnaria numa menina nascida em Goiânia em 2 de fevereiro de 1962. Os dados batem com a certidão de nascimento de uma certa pecuarista e agronegociante.

condessa foto

Mas a prova mais inapelável é mesmo a foto da condessa encontrada nos arquivos, vestida num modelito comparável àquele usado pela ministra em sua posse, com saia evasê e mangas largas, da mesma cor verde-agricultura ou folha de repolho, num tom entre o limão e o pera. O doutor Brian Stevenson, da Universidade de Virginia, especializado em regressão a vidas passadas e outras ciências afins, depois de examinar de forma percuciente as fotos e os dados, inclusive os grafológicos, concluiu categoricamente:

– Uma é a reencarnação da outra. O DNA é o mesmo. Sem qualquer ofensa à memória da condessa, mas a ministra da Agricultura é a versão reeditada da outra, cujo espírito transmigrou de Três Rios para Goiânia.

P.S. Isabela Torres de Castro Innocencio. Memória de afrodescendentes no Vale do Paraíba: de Colônia Agrícola Nossa Senhora da Piedade a bairro de Vila Isabel. Lugar de Memória, História e esquecimento em Três Rios, 1882-1951. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio. 2015. 364 pgs. Banca Examinadora: Regina Abreu (orientadora, sem qualquer parentesco), Martha Abreu (UFF, sem qualquer parentesco), Andrea Vieira (UNIRIO), May Waddington (UFPi) José R. Bessa Freire (UNIRIO-UERJ). A banca recomendou a publicação da tese.
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Poemeto pós oswaldiano

História do Brasil

Para Alípio Freire, com agradecimentos.

 

Ciclo do pau-brasil

Ciclo da cana-de-açúcar

Ciclo do ouro

Ciclo do café

Ciclo da borracha

Ciclo da industrialização

Ciclo via

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A PIROCA É DOS AMAZONENSES E NINGUÉM TASCA!

Seguindo na onda do ínclito – mas talvez com o toba meio preso – parlamentar cearense-amazonense, sobrenominado Dallas (nome com profundas ligações locais, of course) declaro alto e em bom som: A piroca é nossa! E que não venham os paraenses, que gostam de comer rabo de jacaré, dizer que é deles.

Nananinini.

Mas, deixemos nosso linguista e emérito colunista do Taquiprati, professor doutor José Bessa, esclarecer devidamente o assunto.

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A PIROCA É NOSSA
José Ribamar Bessa Freire
03/05/2015 – Diário do Amazonas

O autor da pirocagem

O autor da pirocagem

Com todo respeito, que me desculpem os ouvidos pudibundos, mas “a piroca é nossa”. É. É isso mesmo que vocês ouviram. Quem afirma não sou eu, mas o deputado Wanderley Dallas (PMDB-vixe), autor do projeto nº 341/2012, ora em tramitação na Assembleia Legislativa, que eleva o vocabulário do português regional à categoria de patrimônio cultural imaterial do Amazonas. Ele destaca o tombamento, entre outras, das palavras piroca, xibiu, fofobira, pinguelo, baitola, toba, pimba, cabaço e furunfar.

A lista pode ser enriquecida se for consultada a minha desbocada amiga Chachá ou, modéstia à parte, este próprio locutor que vos fala. Em sua tese de doutorado defendida na Sorbonne, Chachá sustenta que as palavras estão todas relacionadas, umas não existem sem as outras. Dessa forma sem fofobira, a pimba é inútil e ninguém furunfa, só o cabaço sobrevive. Os paraenses invejosos ameaçam, no entanto, de entrar no Supremo Tribunal Federal com uma liminar, fundamentada no princípio do “periculum in mora“, alegando que a piroca e demais verbetes pertencem ao Pará e é ai que mora o perigo.

Quase todas as palavras consideradas patrimônio cultural do Amazonas pelo nobre deputado são originárias do Nheengatu – a língua geral amazônica – outrora falada em todo o Estado do Grão-Pará, mas hoje refugiada em solo amazonense. Elas estão dicionarizadas no “Vocabulário Português-Nheengatu, Nheengatu-Português” elaborado por E. Stradelli (1929). Lá consta o verbete Piroca com o significado de “pelado, depenado, descascado” (pg. 460).

É impressionante como uma simples palavra mexeu com os brios amazônidas e desencadeou um movimento regional tipo aquele de porte nacional – “o petróleo é nosso” – que incendiou o Brasil nos anos 1950, dando origem à criação da Petrobrás.
Caso o projeto seja aprovado no sucesso da campanha “a piroca é nossa”, amazonenses e paraenses terão de se submeter à Constituição do Estado do Amazonas, cujo artigo 207 determina que “o poder público deve proteger o patrimônio cultural por meio do inventário, registro, vigilância e tombamento”. Ou seja, como parte do patrimônio cultural estadual, os verbetes devem ser obrigatoriamente cadastrados e protegidos.

Pirocabrás

Amazonês portátil

Amazonês portátil

Daí surge o xis do problema: quem é que vai cadastrar, inventariar e fiscalizar a piroca e demais verbetes tombados? O Amazonas? O Pará? Através de quais órgãos? Essa é a questão que trazemos para o debate. O deputado Dallas não diz se tais tarefas serão executadas por uma espécie de Pirocabrás para a qual o deputado Belão Lins já tem até indicação de nomes do diretor e de 32 assessores, todos eles da sua família, disputando os cargos em comissão com os inúmeros Braga da cota do Roubério Braga, o Berinho, sempiterno secretário estadual de Cultura.

Suponhamos, ou melhor supunhetemos, que enquanto não existir a Pirocabrás, caiba ao Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico do Amazonas (CEDEFA), de acordo com o art. 14 da lei que o criou, fazer “o arrolamento dos bens considerados integrantes do Patrimônio Histórico” em um dos livros criados para esse fim. Aliás, “arrolamento“, palavra apropriada para o caso, já é também digna de tombamento. Quando os bens estaduais forem arrolados, o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – poderá incluir os verbetes regionais também como patrimônio nacional.

Já na qualidade de patrimônio nacional, o Brasil pode apresentar à UNESCO a candidatura das palavras amazônicas como patrimônio da humanidade, o que será “le jour de gloire” da fofobira e demais verbetes, mas retirará da Amazônia o controle sobre o processo de patrimonialização. É que no contato com a língua francesa, as palavras serão inevitavelmente afrancesadas, aparecendo como “fofobirrá” ou “pirrocá”.

O processo traz, porém, algumas vantagens. Por exemplo, o secretário Berinho fica impedido de transferir a pirrocá e outros itens lexicais para a Fundação Lourenço Braga, de sua família, porque o art. 18 da Lei Estadual determina que a preferência é do estado do Amazonas e que “o direito de preferência não impede o proprietário de gravar o estado do bem tombado com ônus real” (atenção revisor, cuidado, é ônus mesmo, com “o”).

O tombamento do bem tem o objetivo declarado de valorizar o falar regional, mas isso já foi feito com muita competência e sem ônus real no dicionário de “Amazonês – Termos Usados no Amazonas” de autoria do linguista Sérgio Freire, que vem a ser primo do meu sobrinho “Pão Molhado”. Ou pelo cantor Nicolas Júnior, que além da música “Amazonês”, compôs outras canções enraizadas na variedade do português local.

Fofobira

Sergio-Freire-livro-Amazones– A intenção do projeto é boa, mas a forma foi equivocada – diz uma sobrinha minha que entende do riscado, porque é doutora no assunto. Cabe, porém, perguntar: por que é necessário proteger a piroca, a fofobira e outros verbetes? São palavras ameaçadas? São práticas em desuso? Na sua justificativa o projeto não identifica quem as ameaça e porque é necessário protegê-las.

O debate no parlamento e na mídia no lugar de se centrar na questão do patrimônio cultural e da memória regional descambou para o campo moralista. O deputado Orlando Cidade (PTN, vixe-vixe) da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCRJ) ficou escandalizado com a fofobirice do autor e, por isso, defendeu o veto do projeto.

Outro deputado, o doutor Gomes (PSD, vixe, vixe), presidente da Comissão de Educação, também considerou o projeto imoral. Chocado com a fofobira, adiantou seu veto: “Vou me pautar nos conceitos de família, nos conceitos estritamente da ética. Darei parecer contrário a qualquer proposta que venha ferir a ordem, que venha constranger o parlamento“.

O curioso é que não haveria família se não existisse aquilo que as palavras mencionadas estão nomeando. Pensar que toda essa confusão teve origem num trauma de infância sofrido por Wanderley Dallas talvez explique o destaque dado a palavras consideradas “chulas” pelos moralistas de plantão, atacados por libidose cerebral. Nascido em Sobral, no Ceará, em 1959, ele migrou aos 14 anos para Manaus. Seu nome deveria ser Severino Quixeramobim Dias, mas na hora de batizá-lo o oficiante – um padre norte-americano – resolveu homenagear os Estados Unidos com os nomes Wanderley e Dallas, o que foi acatado por seu pai, o agricultor Jaime Dias.

Talvez por isso Wanderley Dallas Days abandonaria mais tarde o catolicismo. Em 1980, “aceitou Cristo como seu Salvador” e logo depois, como radialista na RBN, cursou teologia no Instituto Bíblico da Assembleia de Deus: “Ao longo de sua vida cristã já distribuiu mais de 80 mil Bíblias” – informa o texto de seu Gabinete. O deputado compõe a bancada evangélica e só no primeiro trimestre de 2015 já apresentou 25 projetos, entre os quais o que institui o Dia do Levita – aquele que domina a arte do louvor – que ficou conhecido também como o Dia do Puxa-Saco.

Com tais credenciais, o deputado que está em seu quinto mandato e foi um dos mais votados, num oportunismo deslavado manifestou preocupação com itens importantes da cultura amazonense. Vários projetos de sua autoria pretendem transformar em patrimônio imaterial as festas do pirarucu, do boto, da cerâmica e até da desova da tartaruga.

Parece que agora, para escandalizar ainda mais o colega Orlando Cidade, Dallas vai lançar a campanha “a fofobira é nossa e ninguém tasca”. Fofobira é um dos carros-chefe registrado na lista do próprio Wanderley Dallas, mas consta também com outra grafia – popopira – no dicionário de Nheengatu de Stradelli, língua que não tem sons correspondentes às grafias de “f” e “b”. Em amazonês, fofobira significa “coceira na vagina”.

P.S. 1 – Para entender melhor o assunto, além da obra citada de Sérgio Freire em sua segunda edição, recomendamos duas teses: a primeira é deste locutor que vos fala: “Rio Babel -A história das línguas na Amazônia”, Rio, Eduerj, 2012 (2ª edição). A segunda, de autoria de Charufe Nasser, foi defendida na França com o seguinte título: Le parler de l’Amazonie: dévergondage et libertinage, ça rime avec sacanage (ainda inédito).

P.S. 2 – Esse Beto Richa (PSDB vixe-vixe), hein, o rei da fuleiragem: quem diria, espancador de professores!

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SYRIZA, PODEMOS, O PT E OS MOVIMENTOS SOCIAIS. TALVEZ LIÇÕES.

“Necesitamos inflingir derrotas a las políticas neoliberales. Para ello, la experiencia griega enseña que movimientos y movilizaciones son la condición indispensable, el punto de partida de este proceso, pero no son suficientes en sí mismos. Hay que tomar el Estado sin dejarse tomar completamente por el Estado. Ahí está todo el problema”. Stathis Kouvelakis em “Tomar el poder sin dejarse tomar por él: diálogo entre el filósofo Alain Badiou y Stathis Kouvelakis, de Syriza

Syrisa. Será possível "tomar o poder" sem se deixar "ser tomado pelo poder"?

Syrisa. Será possível “tomar o poder” sem se deixar “ser tomado pelo poder”?

Confesso que não conheço em profundidade nem o Syriza grego nem o Podemos espanhol. Acompanho o noticiário, na medida do possível, e gostaria de saber mais, tanto sobre as propostas políticas como também sobre a estrutura (ou estruturas) organizacionais dos gregos e dos espanhóis.

A matéria de onde extraí a citação acima é um longo diálogo entre o veterano filósofo francês Alain Badiou (com quem nem sempre compartilho ou compartilhei as posições políticas) e Stathis Kouvelakis, que é professor de Ciência Política no King’s College de Londres, membro do Comitê Central do Syriza. Kouvelakis

Kouvelakis, acadêmico e membro do Comitê Central do Syriza.

Kouvelakis, acadêmico e membro do Comitê Central do Syriza.

teve sua formação acadêmica praticamente toda feita na França, e tem como uma de suas principais tribunas o jornal online Jacobin. Apesar do nome francês, Jacobin se apresenta como “a leading voice of the American left, offering socialist perspectives on politics, economics, and culture. The print magazine is released quarterly and reaches over 10,000 subscribers, in addition to a web audience of 600,000 a month”.

O diálogo é muito interessante e ilustrativo dos impasses e possíveis saídas para a crise grega, as perspectivas do Syriza diante das autoridades monetárias e políticas europeias, e realmente vale a pena ser lido.

Entretanto, gostaria apenas de chamar atenção, e brevemente, para os pontos apontados na epígrafe.

Os movimentos sociais foram a base da vitória do Syriza.

Os movimentos sociais foram a base da vitória do Syriza.

Para mim, hoje, há clareza sobre uma – se não a principal, uma das principais – razão das dificuldades enfrentadas pelo Partido dos Trabalhadores, que inicia o quarto mandato na Presidência da República enfrentando uma crise de enormes proporções. Essa razão é a seguinte: o PT tomou a cabeça do poder do Estado (falar em tomar o Estado é, aqui – e acredito que na Grécia também – um exagero formidável), e deixou-se “tomar pelo Estado”. Ou, pelo menos, pelo governo. E abandonou a fonte de sua força, que sempre foi a forte presença nos movimentos sociais.

As peculiaridades do sistema político brasileiro tornaram possível a eleição do Lula – e depois da Dilma – dentro do que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão”. Ou seja, uma forma de governo na qual o Presidente da República manda muito – embora menos do que se supõe – mas depende do apoio de forças muito heterogêneas no parlamento para poder governar.

Essa lição foi aprendida por todos bem no início da retomada da democracia. O governo Collor caiu fundamentalmente por desprezar a correlação de forças no parlamento, e acreditar em demasia no poder presidencial. Some-se a isso o fato da eleição do “caçador de marajás” ter-se dado em um contexto em que a direita conservadora topava qualquer coisa para evitar a eleição do Lula, inclusive, no frigir dos ovos, apoiar um candidato demagogo, inconsistente, e que crescia com uma retórica moralista e populista que se revelou totalmente incompetente logo nos primeiros meses de governo.

PC Farias e Collor. A falta de base parlamentar levou ao impedimento.

PC Farias e Collor. A falta de base parlamentar levou ao impedimento.

A debilidade do partideco que nominalmente lançou o Collor, e a desaforada tentativa de compra de apoios com o leilão de cargos conduzida pelo caixa-preta PC Farias completaram o cenário de sua desestabilização, que resultou no impedimento.

Collor sai do Planalto

Collor sai do Planalto

Itamar Franco, raposa velha e peluda, percebeu o erro e já montou seu governo com o acolhimento da mais ampla coligação parlamentar que conseguiu. O PT ficou de fora, por decisão própria, com exceções individuais, como a da Luiza Erundina. Estava correto, naquele momento. Se entrasse oficialmente no governo Itamar, já perderia as condições de base que levaram à vitória do Lula, oito anos depois: o trabalho e o desenvolvimento dos movimentos sociais.

A mobilização sindical e social foi a base do crescimento e das vitórias do PT.

A mobilização sindical e social foi a base do crescimento e das vitórias do PT.

Entretanto, ganhar a eleição para a presidência não significa ter condições de governar. A experiência Collor já havia deixado isso muito claro. Era necessário, portanto, construir uma base parlamentar que permitisse o desenvolvimento das metas sociais, ainda que se fizessem concessões em várias outras áreas. Lula já havia começado a construção disso com a famosa Carta aos Brasileiros.

Muito bem. Ganhou as eleições. Daí em diante se colocavam duas tarefas: manter a mobilização popular para garantir os avanços; construir a base parlamentar que evitasse a turbulência do mesmo tipo que derrubou Collor.

Em relação a esse último ponto é que surge – e permanece até hoje, a importância do PMDB. Esse partido, herdeiros dos escombros da frente que se reuniu para fazer a “transição pacífica da ditadura”, possui duas características básicas: uma enorme capilaridade, absorvendo todo tipo de lideranças locais e regionais. Desde as mais conservadoras e reacionárias, até segmentos dos movimentos populares. O resultado é, sempre, a eleição de uma forte bancada parlamentar. O resultado disso é a presença, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal, de quadros que conhecem intimamente os modos de funcionamento das duas casas. São raposas imbatíveis, pelo número e pela habilidade, no funcionamento cotidiano do parlamento. Raramente agem unidos. Aliás, só se unem realmente na defesa de interesses ameaçados. Mas sempre cultivam dissensos sobre como fazer isso. É a força e a debilidade do PMDB.

Lula e Dirceu: parceria feita e desfeita.

Lula e Dirceu: parceria feita e desfeita.

José Dirceu, que havia coordenado a campanha, imediatamente depois das eleições abriu negociações com o PMDB para que este integrasse a base parlamentar de apoio ao governo do PT, diante da evidência de que, embora houvesse elegido sua maior bancada naquela eleição, sozinho o partido não conseguiria dar sustentação ao governo. Chegou a fechar os termos de um acordo. No final, Lula, influenciado inclusive por seu vice, José de Alencar, optou por recrutar o apoio de meia dúzia de partidecos para compensar a ausência do PMDB e se contrapor ao PSDB/DEM na oposição.

Uma falha de avaliação fundamental de Lula. Confiar em um notório bandido como o Roberto Jefferson e gente como Janene, Pedro Corrêa, e quejandos, deu no que deu.

Mas a tragédia que se desenhava no PT mal começava.

A ocupação de cargos-chave no governo – era importante, sim. Bobagem negar isso. Mas teve como resultado drenar os melhores quadros dos movimentos sociais e dos sindicatos para atuar no governo. O que resultou no seu enfraquecimento, o que se procurou compensar com os mais tradicionais meios do peleguismo.

Nesse momento e nessas condições começava a tragédia do PT. O movimento social perde força e as ações governamentais passam cada vez mais a depender das articulações dentro do Congresso, até para garantir as linhas mestras das políticas sociais de distribuição de renda, expansão da base de consumo interno, etc. Mesmo às custas de muitos e importantes anéis, manteve-se essa base de crescimento do apoio popular.

Só que, em vez de apoio orgânico, embasado na organização e luta pelas conquistas, transformou-se em apoio inorgânico, sustentado pelos resultados das políticas sociais. Isso foi aprofundando o afastamento e a perda de capacidade de mobilização e ação dos movimentos sociais e dos sindicatos.

Mesmo assim, essa situação permitiu compensar o desgaste do chamado “mensalão”, ainda que mostrasse que a direita não estava para brincadeiras. Teve fôlego para a eleição de Dilma e até mesmo para sua reeleição.

Observação de interlúdio. A primeira vez que ouvi a então Chefe da Casa Civil fazer um discurso para uma assembleia de militantes e representantes de segmentos de massa foi na II Conferência Nacional de Cultura. Foi um desastre. Chamou os delegados à Conferência de “congressistas”, duas e três vezes, até ser interrompida pelo Lula: “Dilminha, os congressistas são os deputados e senadores. Os companheiros aqui são delegados”… E foi por aí, demonstrando a falta de traquejo político e de intimidade com a vida concreta da política, que hoje está mais que evidente.

Meu comentário junto a companheiros e amigos: a candidata é uma mala pesada, sem alça e sem rodinha. Vai ser uma parada…

Está sendo.

A situação no segundo mandato ainda é pior, para além da crise econômica, sobre a qual sempre comento: quem dizia que a crise havia acabado era o Armínio Fraga. O Mantega, em debate com ele mediado pela Míriam leitão – em uma de suas poucas demonstrações recentes de como pode ser boa jornalista – deixou claro que as políticas que serviram para combater as primeiras etapas da crise internacional já estavam superadas e que era necessário usar novos instrumentos e fazer mudanças. Quem acha que o ajuste fiscal foi feito contra o ex-Ministro simplesmente não sabe o que diz. Já o conteúdo concreto e a forma desse ajuste deve ser objeto de outros comentários. (Quem é assinante de algumas das operadoras pode buscar o debate no play da GloboNews).

A crise econômica, entretanto, é apenas parte do problema.

Mercadante está por trás das maiores barbeiragens políticas do governo Dilma.

Mercadante está por trás das maiores barbeiragens políticas do governo Dilma.

Marx dizia que a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa. Pode ser dito que a manobra fracassada de Lula de escantear o PMDB no seu primeiro mandato foi uma tragédia. Mas as manobras da equipe encabeçada pelo Mercadante de fazer o mesmo no segundo mandato da Dilma têm, definitivamente, o gosto de farsa. Esse cara não aprende nem com o que está na cara dele.

Pensar que é possível passar a perna no PMDB com manobras como a bolada pelo Kassab, de criar mais um partido para sugar “dissidentes” de vários, e apelar para personagens totalmente insignificantes dentro da estrutura do PMDB, como a Kátia Abreu, revelam o amadorismo, na verdade, a incompetência dessa articulação política. À qual se soma, até agora, é bom deixar claro, a inoperância da Abin para fornecer dados para o governo, a indisciplina da Polícia Federal, que vaza tudo o que é de interesse da oposição, ainda que sob segredo de justiça, e a ação canhestra do já defenestrado Traumann.

A única maneira de neutralizar o PMDB e retomar o programa do PT é voltar às bases. Fortalecer as ações dos movimentos sociais, revitalizar os sindicatos. Em uma palavra: comer poeira, suar no chão de fábrica, estar junto dos movimentos populares. Criar condições para construir uma bancada parlamentar forte que possa, então, junto com aliados politicamente mais consistentes, neutralizar o PMDB e os fisiológicos.

Em uma frase: voltar a conquistar o poder sem se deixar ser conquistado por este. Se o Syriza continuar nessa linha, merece ser observado com atenção. Mas o debate citado, e a própria experiência petista, mostram o quanto isso é difícil.

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CENAS DA VIDA EM CONDOMÍNIO

Na reunião do condomínio, uma excelente notícia. Há um ano, pagávamos cerca de R$ 2.500,00 por mês de água. No mês passado pagamos algo em torno dos R$ 800,00. Isso, com todos os descontos que a Sabesp vem dando para os consumidores que economizam água (menos para os privilegiados grandes consumidores, que pagam menos que o resto dos sedentos).

Esse resultado não foi apenas fruto da economia dos moradores, que é significativa. Nós “reusamos” a água do banho no vaso, e os hábitos de escovar os dentes e lavar as mãos fechando a torneira nos intervalos já está consolidado. O grande ganho do condomínio foi resultado da eliminação de um vazamento escondido em um cano mestre que servia a uma das prumadas do prédio.

A síndica que terminava o mandato, Vera Passos, recebeu uma ovação dos condôminos.

Imagine se a Sabesp fizesse direito a manutenção da rede de distribuição, que desperdiça entre 25 e 30% de toda a água que entra no sistema. Outro dia li uma matéria sobre o assunto e vi, que por aí, a média não passa dos 5%. No Japão, é penas 1% da água que se perde por vazamentos.

Mas, por aí, a distribuidora é de água, não de dividendos. A Sabesp, com toda sua ineficiência, está listada na Bolsa de NY e distribuiu, há dois anos, 6 bilhões de reais entre os acionistas. O majoritário é o governo do estado de S. Paulo.

Empresas públicas de serviço têm que gerar superávit, sim. Para investir na melhoria dos serviços, não para fortalecer a caixa do governo estadual e o bolso dos acionistas privados.

Falta de educação

Na mesma reunião, entretanto, foi comunicado aos presentes que recentes mudanças no quadro de funcionários aconteceram por conta das ofensas que alguns dos condôminos fizeram a eles.

Acontece que o prédio onde moro é antigo (Hélas, tem a minha idade!). É, portanto, de uma época em que não se fazia salão de festas, piscinas e saunas que ninguém usa mas que encarecem o condomínio.

Mas, também, era uma época de garagens pequenas.

Aqui no prédio não se pode ter vagas delimitadas. Simplesmente não é possível. Os carros são entregues aos porteiros, que os arrumam em fila. E que retiram os carros, o que às vezes é trabalhoso, na medida em que os moradores que saem o solicitam.

Uma parte da garagem é coberta. Duas áreas, entretanto, estão ao ar livre. Sujeitas a cocô de passarinhos e até mesmo a objetos jogados desde um viaduto que passa perto. É a primeira manifestação de falta de educação. Outro dia alguém desperdiçou uma meia dúzia de ovos atirando-os sobre um dos carros. Que obviamente ficou todo melecado.

Mas a razão das demissões foram ofensas e insultos feitos por moradores que exigiam que seus carros ficassem exclusivamente na área coberta, ou por impaciência com os porteiros-manobristas que não conseguiam retirá-los com a rapidez que os trogloditas queriam (sem ter avisado pelo interfone que iam sair).

E xingavam os funcionários. Tipo filho-da-puta pra baixo.

A síndica explicou que, apesar dos funcionários terem pedido demissão, aceitou demiti-los sem justa causa, pagando a multa, diante da mágoa que os pobres demonstravam. Não tinham condições de reagir contra os donos dos apartamentos, então preferiam ir embora.

Bem, como os demais condôminos não estão dispostos a pagar por esse tipo de grosseria, decidiu-se que os trogloditas seriam notificados formalmente pelo síndico, de modo a que pagassem as eventuais despesas decorrentes da falta de educação.

Pequena amostra da falta de educação que grassa por nossa Pindorama, e que aparece nos insultos e baixarias nas manifestações direitosas que têm acontecido.

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BABÁ FOGE DE CADEIRANTE

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O tempo, o mores. Babá, meu amigo José Bessa, que foi militante corajoso, enfrentou a polícia em passeatas e protestos, e já apanhou a mando de um certo Tiradentes que não é o protomártir da independência e sim um brutalhão que ocupa caergos em certos governos da região Norte, é flagrado fugindo de um cadeirante.

Vergonha! Vergonha?

Deixem ele contar a história, no seu Taquiprati, abaixo também reproduzido para os preguiçosos.

O DIA EM QUE FUGI DE UM CADEIRANTE
José Ribamar Bessa Freire
12/04/2015 – Diário do Amazonas

 

Contar ou não contar? Hesito. Sei que não é nada honroso tornar público o que aconteceu a mim e ao meu amigo de fé, irmão, camarada, Roberto Luis, quando fomos atacados em plena luz do dia, num parque em Niterói. Verás que um filho teu não foge à luta? Eu, hein! Nem pensar! Fugimos em desabalada carreira, perseguidos de perto por um furioso agressor completamente ensandecido. Pensamos com nossas pernas.
Os mais afoitos argumentam que isso é motivo para se envergonhar. Mas há controvérsias. Afinal, “apanhar do Governo não é desfeita” como ensinou Fabiano, personagem de Vidas Secas, depois de levar surra de facão de um soldado. O próprio escritor Graciliano Ramos apanhou muito nos cárceres da ditadura Vargas e ostentou as feridas como medalha, não como desonra.
Acontece que no nosso caso o agressor não era “o governo”, mas um desgovernado cadeirante. É. Isso mesmo! Um cadeirante com rodas no lugar das pernas. A humilhação reside aí, nas condições desiguais que, em tese, nos eram amplamente favoráveis. Daria para encará-lo. Éramos dois contra um e ainda assim nos pirulitamos, mas não foi por escrúpulos de bater num deficiente. Demos às de vila-diogo por instinto de conservação, digamos assim, ou se preferir, por medo mesmo.
Por isso, hesito em contar, nem tanto em respeito a Roberto Luis, um poço de mansidão, que nada tem de fanfarrão, mas por mim, que fico com a reputação arranhada ao admitir que nos faltou o brio e a coragem do cadeirante que lhe conferiu superioridade sobre nós. Portanto, se conto tudo, sem nada omitir, é porque confio na indulgência do leitor. Foi assim.
Rota de fuga
No sábado de aleluia, de manhã bem cedinho, saímos como de costume para nossa caminhada matinal no arborizado Campo de São Bento, eu e Roberto Luis. Passarinhos cantando, borboletas voando, pombinhos arrulhando, o sol nascendo, poucas pessoas transitando, uma ou outra com o cachorro na coleira. Embora o cenário seja idílico, todo cuidado é pouco, tem muita gente que foi assaltada aqui nessa hora.
De repente, não mais que de repente, eis que surge diante de nós um cadeirante, que depois soubemos se chamar Benjamin. Seus olhos faiscantes cuspiam fogo, ele nos ameaçou e sem mais nem menos avançou, trotando sobre rodas, numa velocidade inacreditável, disposto a tudo.
– Corre, Bob Lucho! – gritei ao ver a valentia do meliante.
Quando chamo Roberto Luis de Bob Lucho – e ele sabe disso – é porque o bicho está pegando. E estava. Saímos emparelhados com o cadeirante nos nossos calcanhares, parecia cão raivoso. Na perseguição cinematográfica, enveredamos pela alameda principal, seguimos a trilha do parque pelo meio da vegetação, invadimos canteiros de plantas, contornamos as bordas do lago, com o agressor em nosso encalço. Gritamos por socorro, na esperança de que o jardineiro ali presente fizesse algo, mas ele, insensível, parecia se divertir com nossa desgraça.
Exagero se digo que o embate tinha algo de épico, com cheiro de Guerra de Tróia no ar? Só sei que baixou em mim Aquiles, o herói grego “dos pés ligeiros“, eu quase voava, só que numa história invertida, pois o perseguidor era Heitor, o troiano. O diabo é que o bafo deste Heitor no meu talão me lembrava Aquiles, morto com flechada no calcanhar, única parte vulnerável de seu corpo. Com a respiração alterada, o coração palpitante, em frangalhos e exauridos, só não fomos flechados, porque subimos celeremente as escadas do coreto, deixando o cadeirante lá embaixo.
Duas vidas
Convém te apresentar os dois personagens principais dessa história: Roberto Luis Freire – o Bob Lucho e Benjamin Fonseca – o Benje. Ambos mudaram várias vezes de identidade. Cada um, qual guerreiro tupinambá, acumulou diversos nomes em função das batalhas travadas ao longo da existência.
Foi como “Neco” que Roberto Luis entrou na minha vida. O bom Neco foi abandonado ainda bebê no portão da PUC, onde a mãe nunca ingressou. Estava assustado, marcado pelos traumas do enjeitamento, quando decidi adotá-lo. “Patife”, o nome que lhe dei como tributo ao finado “Canalha”, seu antecessor, não pegou. Ficou sendo “Bob” por causas das enormes orelhas que lhe dão ar de bobalhão. Logo mudou para “Bob Lucho” em homenagem a um amigo colombiano chamado Roberto Luis. Foi assim que um apelido – caso raro – acabou dando origem a este nome pomposo.
A história de “Benje” é ainda mais sofrida. Seu nome era “Chaulim”, quando vadiava pelo Morro do Cavalão. Foi adotado por um coletor de papelão que puxava carroça pelas ruas de Niterói – um burro-sem-rabo – e agora tem barraca de fruta no sopé do morro. Lá encontrou alimento, carinho e um teto – dormia debaixo da carrocinha. Um dia, em julho de 2012, durante briga com um cachorro em frente ao túnel, foi atropelado por um carro que quebrou-lhe as patas traseiras.
Ferido, com fissura na coluna, a vítima foi socorrida por Marluce Toscano que a tudo assistiu. Internado num abrigo para cães abandonados de Roberta Mello, lá ficou três meses, mas segundo o veterinário precisava de cuidados especiais e teria que fazer acupuntura e fisioterapia, num tratamento caro, cujo custeio necessitava da ajuda de outras madrinhas e padrinhos. Foi tecida, então, uma rede de solidariedade na internet em busca de um lar transitório para o dito cujo que ficara aleijado.
Fazia parte desta rede a advogada Cláudia Fonseca, que começou comprando ração, fralda e remédio, mas em fevereiro de 2013 resolveu adotá-lo, trazendo-o para o seu apartamento em Icaraí. Vida nova, nome novo. “Chaulim”, agora chamado de “Benje”, estava com anemia, carrapato, fazia coco e xixi no chão e arrastava as duas patas e os quartos pela casa, sujando tudo. Um calvário!
Ben Hur
Para ele não se arrastar, Cláudia encomendou um aparelho com rodas de uma empresa sediada em Botucatu (SP) – a VetCar Aparelho de Fisioterapia Veterinária. Trata-se de dispositivo personalizado com rodas, dinâmica e equilíbrio exclusivos, que requer avaliação prévia, exames, medição das pernas, peso, altura, tudo ajustado milimetricamente incluindo o comprimento das barras laterais para que Benje pudesse fazer curvas com tranquilidade. Por isso, na corrida, ele deixa Rubinho Barichello no chinelo.
Com este aparelho em aço inox trefilado, encaixe de alumínio leve, suporte de polietileno macio e rodas emborrachadas – criação da inteligência humana – Benje passeia no parque com Cláudia, Jhonys Ribeiro ou Juciara Pinho, auxiliar de enfermagem, que faz com ele exercícios diários de fisioterapia. Ela retira o carrinho e ele já ensaia uns passos milagrosamente, depois de fazer acupuntura com Fernanda Calmont para regular o sistema nervoso e urinário e para o tônus muscular. Benje goza de um direito que todo brasileiro devia ter, da mesma forma que qualquer ser vivo.
O nosso cadeirante tem sete anos segundo o veterinário Diogo que calculou a idade através de exame de dentição. Sobreviveu porque o Brasil não é feito só de eduardos cunhas, renans calheiros e cerverós.
O Ben-Hur dos cachorros, sofrido, é gente finíssima. Apoiado pela ternura humana, é exemplo de resistência e superação. Na realidade, o “ataque” que sofremos não foi gratuito. Como todo cachorro de rua, ele territorializou todos os espaços e quem pagou o pato foi Bob, o “invasor”. Dizem, porém, as más línguas – e eu aqui registro em tom de fofoca – que Benje e Bob  disputam o coração de “Madona”, uma bela louraça Golden Retriever, inacessível ao bico dos dois que tentam seduzi-la quando a encontram nos passeios matinais.
O ataque, portanto, pode ter sido uma crise de ciúmes shakespeariana, digna de um Otelo. O ciúme é uma merda, mas “cachorro também é um ser humano”, como disse o ex-ministro Antônio Magri em surto de sabedoria involuntária. Talvez tanto a doçura do Bob quanto a valentia do Benje se espelhem numa humanidade que a gente perde diariamente diante da barbárie cotidiana, como o assassinato do menino no Complexo do Alemão, dos negros mortos por policiais nos Estados Unidos e da constante invasão de terras indígenas.

Pronto. Contei. Advirto que o que foi aqui relatado “é tudo verdade”, como no Festival de Cinema, embora, como diz Eduardo Coutinho, entre a história vivida e a história relatada há sempre uma relativa distância.

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Dixit.

 

 

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A INCOMPETÊNCIA SEM LIMITES DA COORDENAÇÃO POLÍTICA E DA COMUNICAÇÃO DO GOVERNO

Já assisti – infelizmente – muitas demonstrações de incompetência na coordenação política e na comunicação de vários executivos – do federal e de estaduais.

Mas essa turma (des)coordenada (sic) pelo Mercadante arrisca a bater todos os recordes.

Dilma no velporio do filho de Alkmin

Dilma no velório do filho de Alkmin

Fazem a Presidente da República se deslocar de Brasília para S. Paulo para aparecer cinco minutos no velório do filho do Alkmin.

Tudo bem, uma tragédia pessoal atinge uma pessoa que é também o governador do Estado mais importante da federação.

Mesmo com o risco de ser insultada (depois do episódio de truculência mal-educada a que foi submetido o ministro Mantega no Einstein, quem duvida da possibilidade de insultarem a Presidenta em um velório? Eu, não), justifica-se a solidariedade aos pais.

A Mônica Bérgamo, na Folha,  diz que a Presidenta hesitou a vir, temendo que a viagem fosse vista como exploração política. Teve que se articular a coisa com a família do governador.

Ou seja, as consequências foram pesadas e avaliadas. Só que pela metade.

Vir, comparecer ao velório do filho do governador e não passar no velório das outras vítimas, é de uma burrice difícil de engolir. Também são pais, ou filhos, atingidos pela mesma tragédia.

Qual a mensagem que essa atitude passa?

Os políticos se entendem. O povo que se lasque.

Comunicação não se faz apenas com discursos e notas em jornais. Se faz também com atitudes.

Para completar a amostra de insensibilidade, o prefeito de S. Paulo, Fernando Hadad, também esteve no velório do filho do governador. E também não deu às caras no velório das demais vítimas, cidadãos e moradores da cidade que administra.

 

 

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